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O Suicídio Assistido de Jean-Luc Godard

Quem aprecia o cinema europeu já assistiu, pelo menos, a um filme de Jean-Luc Godard, eu tive contato com alguns deles, não é meu cineasta preferido, mas devo meu agradecimento ao pioneiro do movimento francês Nouvelle Vague, que tanto admiro, aliás Bando à Parte (1964) com a atriz e ex-esposa de Godard, Anna Karina, em particular, se tornou um filme marcante pra mim, entrando na lista de favoritos.

No dia 13 de setembro, me surpreendi com a notícia de que Jean-Luc Godard não possuía nenhuma doença e optou pelo suicídio assistido, por estar cansado de viver. Ninguém deseja a velhice, mas todos passarão por ela senão desejarem morrer jovens. Por ser um cineasta aclamado, acredito que Godard deve ter vivido experiências únicas, conheceu muitas pessoas interessantes, culturas e países diferentes, dinheiro nunca deve ter lhe faltado, e também o mais curioso: nenhuma doença, será?

Dificilmente o ser humano chega na velhice em plena saúde e disposição. São várias as barreiras que precisam ser enfrentadas aos poucos, e isso exige da capacidade psicológica do sujeito de ser compreensivo e resiliente de que novos passos serão dados com maior dificuldade, e que os dilemas sobre a vida e a morte ganharão também novas indagações.

Ainda que problemas incapacitantes decorrentes da idade tenham influenciado a decisão. De acordo com o jornal francês Liberátion, uma pessoa ligada à família do cineasta, disse: “Ele não estava doente, estava simplesmente exausto. Essa foi a sua decisão e era importante para ele que ela fosse conhecida”. Lembrando que, em 2014, Godard declarou que não estava disposto a “perseguir a vida com força total” e que se estivesse doente, não queria “ser arrastado em um carrinho de mão de jeito nenhum.” Naquela época, ele estava com 84 anos já tinha idade para recorrer ao suicídio assistido na Suíça, porém, afirmou que a “morte escolhida” ainda era “uma decisão muito difícil.”

O esgotamento indicado por Godard tem relação direta com a saúde mental. É importante destacar que, idosos, principalmente homens, são os indivíduos que mais cometem suicídio. E muitos fatores influenciam o estado emocional e psicológico do idoso, podemos destacar a aposentadoria, problemas financeiros, ansiedade, depressão, baixa autoestima, impotência sexual, doenças e dores crônicas, perda de cônjuge, familiares e amigos.

O suicídio é uma questão de sofrimento psicológico que não encontra a solução para uma existência dolorosa, é o resultado do desespero de que as coisas não vão melhorar, da percepção de não haver mais um caminho à frente, e do desamparo, da sensação de ser um fardo para os outros. Quem resolve dar fim à própria vida, toma essa brutal iniciativa por uma junção de motivos, que necessitavam urgentemente serem tratados, seja com psicoterapia, com medicação, apoio familiar e etc.

A família não se manifestou oficialmente sobre a decisão de Jean-Luc Godard. De acordo com a sua esposa, Anne-Marie Miéville, o cineasta “morreu pacificamente em casa, cercado por entes queridos”, na comuna suíça de Rolle, às margens do Lago de Genebra.

O suicídio assistido é permitido na Suíça. A prática que consiste em dar fim à própria vida, é autorizada em pacientes com grande sofrimento físico ou psíquico, o médico prescreve uma substância letal, administrada pelo próprio paciente que deve estar completamente consciente. Com o mesmo objetivo de finalizar o sofrimento, a eutanásia se diferencia, pois quem põe fim à vida, nesse caso, é outra pessoa e não o próprio paciente.

Como é estar à beira da morte? Após dez anos de pesquisa, Andreas Kruse, diretor do Instituto de Gerontologia da Universidade de Heidelberg (Alemanha), concluiu que pacientes terminais apresentavam cinco atitudes diferentes: (1) aceitavam a morte e aproveitavam ainda as possibilidades que a vida oferecia; (2) descobriam novos sentidos da vida e tarefas a serem superadas; (3) apresentavam profunda amargura e resignação; (4) negavam a morte; (5) sofriam de depressão e desejavam morrer o mais rápido possível (mesmo com o uso de medicamentos inibidores de dor física).

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Autor de clássicos do cinema, como Acossado (1960), O Desprezo (1963), Alphaville (1965), Week-End à Francesa (1967), Eu vos saúdo, Maria (1985), que inspiraram diretores décadas após seu auge. Godard realizou mais de 40 filmes ao longo de 70 anos de carreira, além de curtas-metragens, documentários experimentais, ensaios cinematográficos e vídeos de música. Em 1960, ele revolucionou a história do cinema ao contestar práticas existentes de direção e modificar a forma como o cinema era feito e consumido até então, ao propor movimentações de câmera diferenciadas, diálogos cortados de modo mais moderno e histórias recheadas de reflexão. Em 2020, ele planejou sua aposentadoria e mesmo próximo de decidir pelo suicídio assistido, ele ainda pretendia dirigir dois filmes antes de encerrar a prestigiada carreira.

Na velhice, o sujeito pode se sentir excluído do mundo dos vivos, mesmo que ainda deseje realizar coisas novas, a percepção da inevitável aproximação da morte começa a enclausurá-lo, gerando angústia e depressão, dores psíquicas intensas que também afetam a saúde física de um corpo que está em processo de deteriorização.

Recentemente, Alain Delon, que trabalhou com Godard em 1990, declarou também o desejo de se submeter ao suicídio assistido. O ator de 86 anos, já passou por uma cirurgia cardíaca de emergência e atualmente vem se recuperando de um duplo AVC sofrido em 2019 que prejudicou a fala e os movimentos. Embora seu estado de saúde seja considerado bom pelos médicos, ele pediu para que seus familiares organizassem todo o processo para o suicídio assistido.

Uma visão crua da vida, sem muito encantamento, assim me parece a velhice em tempos sombrios, e a ideia romântica de um mundo melhor vai desaparecendo aos poucos, enquanto a preocupação com a morte se aproxima.

Jean-Luc Godard tinha 91 anos quando se despediu deste mundo. Ele estava cansado de viver, isso é inegável, afinal ele tomou uma decisão irreversível. Além disso, ninguém é imortal, poucos passam dos cem anos e, mesmo assim ele se suicidou. O mínimo que podemos entender nesse caso é que ele estava doente, sim, uma profunda apatia e desesperança, traduzidas em um diagnóstico de transtorno depressivo, pode ser o mais provável.

O contrário da depressão é a vitalidade. Gradativamente, a pessoa não se sente mais entusiasmada com nada, tudo que antes gerava prazer nela, vai embora em um profundo estado de apatia e cansaço. A vida passa a ser enxergada como um esforço contínuo, sem nenhuma graça, o vazio se instala e com o ego/eu em ruínas, ocorre a “morte psíquica”.

A vida de Godard parece ter perdido o seu brilho, seus projetos não teriam mais continuidade, não vendo assim mais sentido em continuar vivendo com todos os empecilhos que a velhice envolve e que são ignorados, por uma grande maioria que romantiza a última fase da vida, porque ninguém está preparado pra enfrentá-la, não tocamos no assunto, ignoramos os moribundos, negamos que iremos fazer parte da velhice, pois o que temos é medo. Enquanto não haver espaço para diálogos, enquanto não dermos ouvidos e atenção aos mais velhos, estamos negligenciando o nosso futuro e tornando ainda mais pesado o presente de muitos idosos que fazem parte de nossa sociedade e que contribuíram por anos para construção desta.

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