Nietzsche em Dark e o Destino das Viagens no Tempo de Jonas - Melkberg - psicologia, arte & cultura - tempo - personagens - sombra - destino - fim - Jonas - Adam - Martha - fio - labirinto - Teseu - Nietzsche - Dark - Ouroboros - monstro - Ariadne - eterno retorno - minotauro - Jonas e Martha - viagens no tempo - símbolo - série

Nietzsche em Dark e o Destino das Viagens no Tempo de Jonas

O desaparecimento recente de crianças na pequena cidade alemã de Winden remete a acontecimentos idênticos ocorridos há 33 anos e 66 anos e coloca quatro famílias no centro de uma teia de mistérios que envolve uma caverna, uma usina nuclear suspeita e um estranho homem recém-chegado na cidade. Todos estão conectados. Gerações sucessivas de famílias alemães, com histórias trágicas seguirão num fluxo circular incessante, similar ao eterno retorno nietzschiano. Os habitantes de  Winden (uma espécie de cidade dos espelhos) se sentem angustiados, aprisionados, solitários e mal compreendidos.

Jonas Kahnwald é o personagem central, a união dos elos das várias tramas de Dark. Devastado pelo suicídio de seu pai Michael, que se enforca no porão de casa, o adolescente acorda constantemente perturbado pelo trauma, enquanto isso luta para reconstruir sua vida ao lado de sua mãe Hannah. As coisas vão relativamente bem na escola e com os amigos até o desaparecimento de Mikkel Nielsen, o irmão mais novo de sua amiga Martha. Acontece que os dois eventos estão conectados e será a partir disso que se iniciarão as viagens no tempo, em busca de pessoas, respostas e mudanças.

O buraco da minhoca é um túnel que liga a caverna na floresta de Winden à uma usina nuclear, construída em 1953, que está à beira de um acidente atômico semelhante ao Chernobyl. Em seu caminho labiríntico é possível viajar no tempo em três dimensões (1953 – 1986 – 2019) e transitar entre mundos paralelos com o auxílio de dispositivos digitais, porém é no interior do buraco da minhoca que opera a alquimia por onde se acessam esses portais. Antes de chegar à filosofia de Nietzsche, esta análise da série Dark precisa buscar o fio vermelho que percorre os buracos da minhoca entre a usina e a caverna, por onde o tempo é posto em suspense, esse fio condutor é o mito do Fio de Ariadne.

Dark-Season-3-Cave-Groupserie-dark-de-netflix-4dark_netflixTudo que você precisa saber sobre Dark (4)

Personagens no Mito Grego: O Fio de Ariadne

Ariadne era a princesa e filha de Minos, rei de Creta e pai do temível Minotauro, uma criatura meio homem e meio touro que se alimentava de carne humana. Minos aprisionou seu filho Minotauro no centro de um imenso e mortal labirinto. Teseu, um jovem herói de Atenas, sabendo que a sua cidade deveria pagar a Creta um tributo anual, sete rapazes e sete moças para serem entregues ao insaciável Minotauro, solicitou ser incluído entre eles. Em um sonho, Teseu recebeu a mensagem de que seria salvo pelo amor. Ariadne, a responsável pelo labirinto, se apaixona por ele e entrega um novelo, para que desenrolasse à medida que adentrasse no labirinto. Ela segura a ponta e, dessa forma, após chegar ao centro e matar o Minotauro, Teseu consegue encontrar o caminho de volta seguindo o fio condutor. Retornando a Atenas, ele levou consigo a princesa.

MARTHA e JONAS: Ariadne & Teseu

Ariadne é a princesa do labirinto, a que segura o fio entre os portais que aprisionam as janelas do tempo, mas em Dark não há fio condutor que coloque em ordem as coisas sem que este nos conduza de volta ao caos, ao escuro, à clausura. Em determinado episódio, no teatro da escola, Martha aparece interpretando Ariadne e contracena com Teseu. Eles discursam sobre a dualidade entre luz e sombra e ela o orienta a derrotar a besta, mostra um novelo de linha vermelha e alertando-o, para que não rompesse. A imagem de Teseu intercala com a cena da entrada de Jonas na caverna até o instante que ele encontra um fio vermelho amarrado nas paredes do buraco da minhoca.

Para desvendar os mistérios de Winden, Jonas inicia sua jornada na floresta negra e nas profundezas da caverna, em suas mãos segura o fio vermelho como o sangue, que liga todas as ações humanas. O poderoso vínculo que este fio sustenta é o que conecta a saga de Martha (a princesa Ariande) e Jonas (o herói Teseu). O nó que une todos os personagens provém desse profundo desejo e amor impossível entre os dois. É deles que nasce uma linhagem torta e condenada à repetição eterna do sofrimento.

Martha e Jonas são escravos de seus desejos e escravizam todos os demais. Não é mera coincidência que o fim do fio na caverna está preso a um Ouroboros, representando que todos os caminhos levam a um mesmo lugar, e que não seria possível escapar do destino. Assim, os acontecimentos do passado influenciam o presente e o futuro, mas o futuro também influencia o passado, fechando um ciclo como o símbolo da cobra que morde o próprio rabo (ouroboros). Sempre de natureza circular, esse símbolo milenar faz referência ao conceito do Eterno Retorno de Nietzsche.

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Eterno Retorno de Nietzsche na série Dark

O tempo em Dark não ocorre como uma dimensão linear. Segundo o filósofo alemão pessimista, Friedrich Nietzsche, o qual teve forte influência nos pensamentos de Arthur Schopenhauer, o tempo é uma estrutura circular. Essa é a mesma concepção que antigas civilizações como os maias, indianos, chineses e os egípcios tinham do tempo. O passado influencia o futuro e o futuro influencia o passado. Tudo está relacionado entre si. Não há começo nem fim. O tempo é como um círculo onde todos os eventos coexistem e todas as realidades temporais estão interligadas. Os eventos que formam a nossa existência se repetem infinitas vezes em eternos ciclos. Todos os acontecimentos em Dark são desencadeados de novo e de novo da mesma forma e os indivíduos envolvidos tornam-se prisioneiros desse ciclo infinito.

Símbolo do Ouroboros

o fim é o começo e o começo é o fim

Ouroboros é o símbolo mais antigo da alquimia, presente em diversas culturas, mitos e religiões ao longo dos séculos. Significando literalmente ‘devorador de cauda’ em grego, a representação circular do Ouroboros simboliza a constante evolução e movimento da vida, a eternidade e retorno sem fim, além de outros significados como a autofecundação, a ressurreição, a criação do Universo, a destruição e a renovação.

O primeiro registro do Ouroboros está presente num texto funerário do Antigo Egito, encontrado no túmulo do imperador Tutankhamun. Para os egípcios, esse símbolo era a representação da união de Ra (deus do sol) e Osiris (deus da vida, da morte e da ressurreição), significando o conceito do começo e do fim de uma era. Em Dark, ao se entregar ao caminho desconhecido, Jonas olha um mapa, onde está escrito em vermelho siga o sinal, que o leva mais a fundo da caverna, logo a seguir ele encontra as inscrições Sic Mundus Creatus Est (assim o mundo foi criado) na entrada que vai do buraco da minhoca para a usina.

Monstro do Labirinto

ADAM, o Minotauro

Em uma de suas viagens no tempo, Jonas conhece um estranho homem vindo do futuro que seria sua própria versão mais velha, ele dedicou a vida a encerrar o ciclo de catástrofes criados pelos saltos temporais. O destino de Jonas era se tornar Adam, o líder da Sic Mundus, organização de viajantes no tempo que tem como objetivo provocar o apocalipse e destruir o mundo como conhecemos para dar origem a um novo em que regras cronológicas não existam.

Deus é o tempo. E o tempo não tem misericórdia. Nós nascemos e a nossa vida já está correndo, como os grãos nessa ampulheta. A morte está sempre a nossa frente. Nosso destino não é nada além de uma cadeia de causa e consequência. Na luz e na sombra.

Adam

Atormentado, Jonas fará absolutamente tudo para consertar as coisas e impedir que o apocalipse aconteça. Na caverna, Jonas carrega uma luz como se revelasse o conhecimento que necessita, e quanto mais percorre na penumbra das passagens, mais os olhos do desbravador do labirinto se acostuma com a escuridão e mais próximo, ele sente a urgência de combater o inimigo que o aguarda entre as paredes do labirinto. 

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PSICOLOGIA ANALÍTICA

O labirinto, em sua forma circular e mandálica, é um símbolo do processo de individuação. Para o psiquiatra e psicoterapeuta Carl Jung, é uma reflexão em si mesmo para tornar-nos quem realmente somos. Teseu precisou adentrar esse lugar interior e perigoso para enfrentar o monstro que o habitava. Igualmente, Jonas percorreu o caminho estranho e desconfortável do labirinto de suas emoções e desejos inconscientes e por lá encontrou Adam. Esse monstro era ele próprio, pois Adam é o seu “eu” do futuro. Em choque, Jonas diz que não consegue entender como poderá querer o que o abominável Adam quer. Após inúmeras tentativas frustradas de mudar o passado, esgotado Jonas decide então acabar com tudo: passado, presente e futuro (o mesmo desejo de Adam).

Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E, se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você.

Nietzsche

Adam avisa ao inocente Jonas que Deus é o próprio tempo que tudo devora e tudo destrói. Somos escravos em suas mãos. Tudo o que Adam faz em sua dimensão para projetar seu plano de criação de um paraíso, na verdade está ligado ao fio em que Martha (Eva do futuro) o direciona, com o intuito de Adam tomar as mesmas decisões, infinitas vezes, justamente o que ele não desejava e queria romper.

Assim como ele desceu em seu labirinto, eu desço no meu (…). Nosso fim é o mesmo. Aqueles lá em cima nos esqueceram (…).

Martha

O Niilismo em Nietzsche

A referência à “morte de Deus” ou dos “deuses” traz um dos aspectos do Niilismo que propõe a indiferença, a “ausência de sentido” atrelado ao conceito de “Super-Homem” de Nietzsche, este homem superior está representado por Jonas, que salvará a humanidade, ele não precisa de um Deus, pois o que importa para ele são os valores do próprio homem. Com a morte de Deus, o homem se desprende dos valores morais e regras estabelecidas por doutrinas cristãs. O ideal religioso é substituído pelo conhecimento. Assim, Jonas explora o labirinto ou a floresta, que simbolizam o próprio conhecimento e o desejo de se tornar um homem livre para realizar suas próprias escolhas. No mito grego O Fio de Ariadne, o resultado do ato heroico de Teseu foi quebrar o ciclo de sacrifícios e a tradição.

SOMBRA e PULSÃO DE MORTE

Ao derrotar o monstro e decifrar os enigmas, o homem superior ignora o monstro que ele próprio é, aquele que se encontra escondido em seu arquétipo sombra (a parte primitiva da natureza do homem, frequentemente projetada em outra pessoa, que aparece ao sujeito como negativa). No centro do labirinto, Jonas é Adam — o monstro “esperando nas sombras”, conforme diz Martha em seu monólogo da peça teatral. Sendo assim, Jonas é tanto o herói quanto o vilão da história de Dark.

O que Adam quer é livrar-se do Tempo. Apagá-lo e viver em um mundo onde ele não existe. Um mundo sem dor, sem perda ou sofrimento. Para Adam, o nada é o Paraíso. Sigmund Freud formulou o conceito de Pulsão de Morte como uma busca por reduzir todas as tensões e conflitos e retornar a um estágio inorgânico. É uma força que trabalha contra a vida e o crescimento e que busca a imobilidade e o fim dos desejos.

O homem é uma criatura estranha. Todas as suas ações são motivadas pelo desejo, seu caráter é forjado pela dor. Por mais que ele tente suprimir a dor, suprimir o desejo, ele não pode se libertar da escravidão eterna de seus sentimentos. Enquanto durar a tempestade dentro dele, não conseguirá encontrar a paz. Nem na vida, nem na morte. E assim ele fará, todos os dias o que for necessário. A dor é seu navio, o desejo é a sua bússola. E disso o homem é capaz.

Adam

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O desejo, o amor e a dor fazem parte da bússola que norteia os habitantes de Winden a modificar a história e retornar ao mundo de antes. Kahnwald, Nielsen, Tiedemann e Doppler, as quatro famílias passaram por traumas e perdas irreparáveis ao longo de muitas gerações. No desenrolar da trama, compreendemos que esses acontecimentos foram causados pela tentativa desenfreada de evitá-los.

Dark nos coloca diante do seguinte questionamento filosófico e psicológico: o quanto nosso desejo de fazer o bem pode nos levar ao caminho oposto? Conforme o pensamento de Adam, o desejo nos levará a cometer todo tipo de atrocidade em nome do amor e do “bem maior”. Em Dark, enganar, manipular e até matar, foram as soluções que os personagens chegaram para trazer de volta aqueles que amavam.

As viagens no tempo aparecem como uma possibilidade real de mudar o passado e evitar os traumas dos personagens. Contudo, à medida que isso avança, percebemos que essas tentativas são inúteis, pois é justamente isso que molda o presente deles, não há fim para a dor. Até o momento que Jonas, cansado do sofrimento e dos esforços frustrados de salvar Martha que acaba levando-o de volta ao ponto de partida, decide então tirar a própria vida, porém nem essa saída lhe é concedida. Ele descobre então que não poderá matar-se porque seu “eu” do futuro é existente, logo sempre haverá algo ou alguém que o impedirá de concretizar o ato de desespero. Esse é um dos exemplos na série de como o futuro também influência o presente o passado.

O mundo antigo a perseguia como um fantasma, sussurrava em seus sonhos como erguer um mundo novo, pedra por pedra. E assim eu soube que nada muda. Que tudo fica como antes. Que a roda gira, volta após volta. Um destino ligado ao outro.

Martha

Seguindo a teoria do Eterno Retorno, é inevitável esbarrar na crítica de Nietzsche ao livre-arbítrio, pois todos os fatos já estão atrelados em uma causalidade que impede mudanças, não há lugar para a liberdade, não se pode escapar do destino. Como no roteiro da própria série, a história está escrita e os papéis estão já definidos.

O homem é livre para fazer o que quer, mas não para querer o que quer.

Shopenhauer

Seguindo o Eterno Retorno de Nietzsche, os polos se alternam nas vivências em uma eterna repetição: criação e destruição, alegria e tristeza, saúde e doença, bem e mal: tudo vai e volta, um complementa o outro. O filósofo alemão pensa o mundo como o fogo eterno que se consome e se cria. O destino de cada sujeito e de toda humanidade não tem escapatória. Tudo deve se repetir, num ciclo infinito e inquebrável como um fardo. 

O que aconteceria se, um dia ou uma noite, um demônio se esgueirasse furtivamente na mais solitária das tuas solidões e te dissesse: ‘Esta vida, assim como a vives agora e a vivestes. Terás de vivê-la infinitas vezes e nela não haverá nada de novo, mas retornarão a ti cada dor e cada prazer, cada pensamento e suspiro, cada coisa indizivelmente pequena ou grande da tua vida, e tudo na mesma sequência e sucessão. como esta aranha e este luar por entre os ramos e também e este instante e eu mesmo. A eterna ampulheta da existência será novamente virada e tu com ela, grão de poeira!’

Nietzsche

Pelos labirintos interiores, Jonas e Martha precisarão entender que o desejo imenso de ficarem juntos é o que mantém aquela imensa teia. Eles precisarão abdicar do que desejam, com o propósito de terminar com os ciclos de sofrimento, aceitando a perda e deixando o tempo destruir o que amavam, pois esse é o movimento incessante e cruel do tempo. Por fim, Jonas e Martha se despedem um do outro. Todos que estavam presos na teia de desejos do amor entre os dois, são libertos. Embora esse seja o final da série, suas histórias não foram apagadas, pois presente, passado e futuro coexistem em nosso inconsciente. Apenas nossa consciência desperta não é capaz de enxergá-los.

Um destino ligado ao próximo. O fio, vermelho como o sangue, junta todas nossas ações. Ninguém consegue quebrar os nós. Mas eles podem ser cortados. Ele cortou nossos, com uma lâmina afiada. Porém algo ficou para trás que não pode ser cortado. Uma ligação invisível.

Martha

De modo filosófico, Dark mostra que o ser humano está fadado a viver do passado e do futuro. O presente é apenas o agora, no entanto nunca estamos completamente vivendo nele, pois perpetuamos no tempo das dores e problemas do passado, enquanto planejamos ou tememos o que possa vir no futuro. É como se cada um de nós vivêssemos em mundos paralelos totalmente diferentes do nosso momento atual.

A diferença entre passado, presente e futuro é somente uma persistente ilusão.

Albert Einstein

O que estamos em busca? Por que nunca estamos satisfeitos? O que faríamos se conseguíssemos o que supostamente estamos procurando? Jonas e Martha, assim como os demais personagens, procuraram tantas explicações, que ao fim chegaram às suas não existências, ao pó.

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