Autor de dez obras publicadas em vários idiomas, entre elas: Jung e o Caminho da Individuação, e Jung: O Mapa da Alma – Uma Introdução (já li e adorei), ambos lançados pela Editora Cultrix. Murray Stein é um dos mais renomados escritores ligados à Psicologia Analítica no mundo contemporâneo. Sincronizando Tempo e Eternidade é composto de ensaios e reflexões do autor com base nas obras de Carl Gustav Jung, Erich Neumann, Wolfgang Pauli, Marie-Louise von Franz e Hayao Kawai. A ideia central é abordar conceitos junguianos como sincronicidade, símbolo e imagem arquetípica e propor maior desenvolvimento da consciência nas pessoas e na cultura.
Toda a humanidade está conectada: as pessoas estão ligadas umas às outras, a natureza e ao cosmos, e nenhum ser humano deve ser deixado de fora do quadro da consciência pós-moderna, por isso é tão necessário nos conhecermos melhor em essência e nunca nos esquecer de que somos parte de algo maior. O principal desafio é conectar o mundo interior e exterior, ligar o tempo e a eternidade.
Psicoterapeutas ocidentais incentivam os pacientes a separar-se internamente de confusões psíquicas com o outro e com os ambientes circundantes (família, amigos, cultura e etc) para “encontrar-se” como indivíduos. A separação e a singularidade psicológicas são vistas como virtudes e valores positivos na cultura ocidental, mas não necessariamente em outras partes do mundo. A criação de uma separação tão radical entre o eu e os outros é uma etapa importante do processo de individuação, como descrevem os junguianos o desenvolvimento psicológico, entretanto isso tem sido questionado à medida que a psicologia analítica se torna global.
Mundo Interior e Exterior
Murray Stein afirma que a distinção interior/exterior é uma distinção artificial, criada por nossa consciência por diversas razões, entre as quais algumas defensivas. Sem ela, ficaríamos extremamente confusos quanto aos limites entre nosso corpo/psique e outros objetos do ambiente. Contudo há imensas diferenças culturais no modo como essa distinção é construída e usada. Algumas culturas têm o que poderíamos chamar de ego comunitário (“ego-nós) e outras têm um ego individual (“ego-eu”). Essa é uma das diferenças entre Oriente e Ocidente e entre a consciência arcaica/tradicional e a consciência moderna.
Por exemplo, o trabalho alquímico se baseia em uma verdade singular: mente e matéria estão estreitamente associadas. O trabalho interior também afeta o mundo exterior. Na gravura Tripus Aureus (1677), de Michael Meier (1568-1622), veem-se duas oficinas em que o trabalho alquímico se processa: a mental (uma biblioteca), à esquerda, e a material (um laboratório), à direita. Porém, esse entrelaçamento foi rompido na Europa durante o Iluminismo que começou a separar (cisão cartesiana) ativamente os aspectos mentais (interiores) e os fenomênicos (exteriores) daquilo que já fora uma representação mais unificada do mundo. Ao romper a antiga relação essencial entre mente e matéria, a alquimia então passou a ser um tipo de filosofia, enquanto a química, libertada da “bagagem psíquica”, emergiu como ciência empírica. Compreende? O trabalho no laboratório de química já não parecia afetar a psique do químico, tornando-se simplesmente uma tarefa de medir e observar as relações dos objetos entre si e de examinar sua composição material.
O mundo mental tornou-se abstrato e o mundo exterior, concreto e objetivo. Como vimos, a ciência separou os aspectos mentais (a biblioteca) dos experimentais (o laboratório). Indo em direção contrária, Jung retornou a antiga alquimia e estudou-a com o intuito de reafirmar que os estreitos vínculos entre mente (mundo interior) e matéria (mundo exterior) estão unidos, sim, na psique. A imaginação seria a chave para a abertura das janelas da percepção ao unus mundus (mundo unitário) à criação de um estado da consciência que, em vez de dividir, une o que está separado, interior e exterior, acima e abaixo. Segundo Jung, a alquimia nos auxilia a revelar como se pode desenvolver esse tipo de consciência psicológica.
Tempo e Eternidade
Para nos orientarmos também utilizamos a noção de tempo, não é mesmo? Nossas narrativas pessoais são histórias da nossa existência no tempo. Temos biografias e anotamos em calendários datas importantes como aniversários, férias e compromissos. Nosso corpo e seu envelhecimento nos mostram de modo incessante que o tempo é bem real. O constante movimento das moléculas e átomos de nossos corpos físicos, que os faz mudar com o tempo fica nítido em nossas fotos de anos atrás, como nossa aparência se modifica! Além disso, o tempo é também aquilo que impede que tudo aconteça de uma só vez. Como um meio de mensuração, mede o movimento dos objetos no espaço, o intervalo entre a saída de um objeto de um local e sua chegada a outro.
Murray Stein distingue o “tempo real” (como a idade cronológica) do “tempo imaginário” (eternidade) que depende de outros parâmetros e requisitos. A consciência do ego está total e exclusivamente encerrada no “tempo real” e, em última análise, no presente. Somos criaturas sujeitas ao pó e ao tempo, mas dotadas de uma paixão pela eternidade, “a vida religiosa”, é análoga a um “instinto” da humanidade: um forte anseio pelo atemporal. A partir disso, ele discuti sobre o processo de individuação e as sincroncidades envolvidas.
Outro dia, em Zurique, vi um anúncio na fachada de uma doceria: “Um dia sem chocolate é como champanhe sem bolhas”. Sim, pensei. Não teria “graça”. Agora ocorre-me que um mundo regido apenas pela causalidade e sem sincronicidade seria o mesmo: um mundo sem sincronicidade é tão “sem graça” quanto champanhe sem bolhas. Imagine a vida sem coincidências significativas que o façam seguir em uma direção inteiramente nova; um mundo em que tudo seja rígido e completamente previsível; um mundo sem criatividade nem surpresas, sem instabilidade, sem a bela possibilidade de um encontro ao acaso com um estranho que se mostre transformador para sua vida. Sem dúvida, seria mesmo champanhe sem bolhas. Ainda bem que não vivemos em um mundo assim.
Murray Stein
Minha opinião sobre o livro
O que mais se pode encontrar nesta obra? Bom, os pontos altos do livro para mim, os capítulos que mais me chamaram atenção, foram: “O problema do Mal” discuti sobre religião cristã, ética e as concordâncias e discordâncias entre o pensamento de Jung e seu discípulo, Neumann; “À Beira da Transformação” aborda o personagem Grago (o caçador) na obra de Kafka e o deus nórdico Wotan na obra de Jung; “A Imago Dei no Plano Psicológico” recorre a imagem de Deus refletida no ser humano como seu semelhante; “Onde o Oriente encontra o Ocidente: na Casa da Individuação” explora as diferenças entre o mundo ocidental e oriental no processo de individuação; “Do Símbolo à Ciência” fala sobre a ciência e a sincronicidade (como o oráculo chinês I Ching); “Trauma cultural, Violência e Tratamento” revela a importância da psicoterapia nos indivíduos que vivenciaram grandes mudanças na história do mundo como as guerras; e por último e não menos importante “Quando o Sintoma é Símbolo” examina os tipos de masoquismo, a necessidade de termos um mestre (como objeto de adoração, veneração e submissão) e qual o símbolo do sintoma.
Se você tem interesse em conhecer as obras de Carl Jung, sugiro que comece lendo “Jung: O Mapa da Alma – Uma Introdução”, de Murray Stein. Sincronizando Tempo e Eternidade foi uma leitura muito enriquecedora, destaquei vários trechos do livro e certamente irei relê-lo.
Ficou com vontade de ler?
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