Difícil não sentir um gostinho de provocação ao assistir O Orgulho (Le Brio – 2017), confesso que me trouxe até um pouco de revolta, mas isso está longe de virar motivo para desgostar do filme, pois acredito que a intenção foi justamente incomodar e instigar o espectador ao debate. Posso dizer que o diretor franco-israelense Yvan Attal criou uma comédia dramática e inteligente sobre dois orgulhosos que revelam através de seus diálogos o panorama político-social da França atual.
Uma relação entre aluno e professor marcada pela diferença geracional e cultural. Com ascendência árabe, Neïla Salah cresceu em Creteil (comuna francesa situada nos arredores de Paris) e sonha em se tornar advogada. Inscrita na renomada universidade parisiense de Assas, seu desafio se inicia já de forma opressora. Logo na chegada, o porteiro exige a carteirinha de estudante, algo que não era solicitado aos demais alunos. Atrasada cinco minutos para a aula do severo e arrogante professor Pierre (interpretado pelo talentoso Daniel Auteuil), ela vira alvo de discriminação e comentários ofensivos em sequência. Os alunos filmam toda a situação humilhante e constrangedora e isso se espalha ao divulgarem na internet. O que acontece? O professor é aconselhado a preparar Neïla para um importante concurso de eloquência (que visa desenvolver nos competidores estratégias argumentativas para defender uma tese específica) como forma de se desculpar e não manchar a imagem da universidade.
CRÍTICA E ANÁLISE DO FILME
CRISE E PERDA DA IDENTIDADE NACIONAL
Uma série de elementos caracteriza um povo e formam a Identidade Nacional: costumes, idioma, história, tradições, cultura e etc. Isso é construído aos poucos ao longo dos anos e se modifica de acordo com os movimentos culturais e geopolíticos de cada época. Atualmente, os principais países da União Europeia temem a perda de tal identidade, por causa do enorme fluxo de imigrantes e refugiados que têm recebido.
Há de fato uma estranheza mútua entre povos tão diferentes culturalmente, no que se refere aos seus valores e às suas crenças. Essa é uma sensação desconfortável e natural diante do desconhecido, entretanto favorece o surgimento de uma barreira que impossibilita o contato e estreitamento de relações e, consequentemente o pensamento ou reação preconceituosa contra o imigrante seja por ignorância, orgulho ou medo (por exemplo, de ataques terroristas).
A Imigração assombra a Europa. No filme observamos como os árabes e seus descendentes podem ser tratados muitas vezes como inferiores. Vivendo junto com sua mãe, Nozha Khouadra, numa comunidade de imigrantes, onde mantém viva sua cultura e religião natal, mesmo nascida na França, Neïla tem dificuldade em falar corretamente o idioma francês assim como seus amigos de infância. Além dos conflitos gerados pela intolerância e xenofobia, grande parte dos filhos de imigrantes enfrentam vários obstáculos para ingressarem no mercado de trabalho e se adaptarem à sociedade francesa. Em contrapartida, os franceses também se veem prejudicados e têm suas reclamações em relação ao enorme número de imigrantes no país.
Inteligente, dona de uma personalidade forte, apresentando uma atitude desafiadora, Neïla se destaca entre os alunos, mas se encontra meio deslocada na classe de aula por não se sentir representada por ninguém. Não satisfeita, ela começa a mudar seu comportamento inspirada na exata imagem autoritária do professor que tanto odiava. Nenhum aluno parecia admirar o conservador Pierre Mazard, todos apenas o respeitam e suportavam, afinal precisavam passar por sua aprovação para continuar estudando ou trabalhando no mesmo ambiente acadêmico.
O mérito das conquistas da protagonista se deve não somente pela própria competência, pois Neïla soube reproduzir bem todas as retóricas que supostamente foram desenvolvidas por Pierre Mazard. Ela passou a gravar tudo o que ele afirmava, deixou de argumentá-lo, se tornou receptora e responsável por reforçar o discurso do mestre que antes criticava. Talvez sem perceber, Neïla se transformou numa figura que rejeitava e ainda viu a necessidade lamentável de recorrer a todos os homens que conhecia para ser bem instruída. A partir desse momento, parece que ela deixou de ser autora de sua própria história para ser comandada, se assemelhar aos outros alunos e posteriormente se sentir superior.
Em determinada parte do filme é transmitida a ideia de que Neïla não deve temer o julgamento dos franceses por ser visualmente diferente, mas ela termina se encaixando no padrão de beleza nacional. Concordo que o meio jurídico exige uma roupa formal assim como a linguagem utilizada, por isso Neïla abandona seu antigo estilo despojado, contudo rejeitar suas características genéticas como o seu cabelo que antes era volumoso para aparentar ser uma típica francesa de cabelo liso, foi decepcionante. Além disso, Neïla era carinhosa e passou a ser uma mulher ríspida, chegando até a destratar os mais próximos. No fundo, talvez ela sempre tivesse desejado ser a “francesinha perfeita” como seus amigos imigrantes a chamavam. Sofrendo forte influência do meio acadêmico, ela fez tudo conforme os códigos sociais. Agora era mais uma no meio de todos e agradando o mais desagradável.
A verdade que está por trás do discurso não importa, apenas transmita segurança e seja persuasivo. Neïla seguiu o que foi ensinado e se sentiu orgulhosa por sua ascensão social. Poderia ser uma história de superação, mas no final ficou evidente que Neïla se afastou de sua origem árabe ao alcançar o sucesso profissional. Não acredito que Pierre se arrependeu e deixou de ser preconceituoso. Tudo foi um acordo aceito por ambas partes, ele não perderia seu posto de autoridade depois do evento da briga e faria a vítima vitoriosa no concurso de retórica, o que infelizmente não atingiria apenas sendo ela mesma, utilizando sua inteligência e determinação, como ficou nítido no desenrolar da narrativa.
O Orgulho é um filme excelente por abordar questões culturais e políticas mediante diálogos que destacam os problemas sociais presentes na França, porém falhou com um desfecho clichê e falsa conciliação forçada entre professor e aluno, com o intuito de propor o fim da xenofobia e desigualdades sociais.
Camélia Jordana mereceu o César 2018 de Melhor Atriz Revelação. Melhor que assistir ao filme é debater. Coloquem suas opiniões :)
TRAILER: O ORGULHO, DE YVAN ATTAL
Distribuição no Brasil: Pandora Filmes
Filme disponível no Telecine!
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