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Análise e Resumo: Do amor e outros demônios de Gabriel García Márquez

Em 1949, o então jovem repórter Gabriel García Márquez acompanha a remoção das criptas do convento histórico de Santa Clara, e o túmulo de uma menina o faz lembrar as lendas contadas por sua avó. Segundo ela, no Caribe, havia uma marquesinha que tinha uma “cabeleira que se arrastava como a cauda de um vestido de noiva”. Venerada por seus milagres, ela foi mordida por um cachorro e morreu de raiva. Seria ela ali enterrada? García Márquez conta a história da filha única de um marquês, criada no convívio de escravos e orixás, e um padre incumbido de exorcizar os demônios que se acredita terem possuído a pequena, cujos cabelos só seriam cortados em seu casamento.

Conheci o livro “Do amor e outros demônios”, a partir do desejo de ler “Cem anos de solidão” do mesmo autor. Queria começar por uma obra menor de Gabriel García Márquez, somente para conhecer o seu estilo de escrita e me habituar, porém não foi preciso passar por essa última etapa. Ler Gabo foi uma experiência muito prazerosa e envolvente.

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Análise psicológica e Resumo: Do amor e outros demônios

“Do amor e outros demônios” fala sobre relacionamentos, religião e cultura, dentro de uma estória misteriosa que nos prende a atenção e nos impede de pausar a leitura. Tudo se inicia com uma mordida dada de um cão raivoso em Sierva María de Todos los Àngeles, a filha única do marquês Ygnacio de Alfaro y Dueñas e Bernarda Cabrera, uma mãe tóxica que odiava seu próprio fruto, resultado de um casamento de interesses.

O marquês Ygnacio, um homem mal humorado, fúnebre e com atraso mental, viveu um romance proibido com a paciente Dulce Olivia do manicômio de mulheres da Divina Pastora. O pai de Ygnacio era contra o namoro e levou o filho ao limite, obrigando-o a morar numa fazenda distante lotada de animais, como Ygnacio tinha zoofobia, ele acabou renunciando sua paixão, cedendo aos desejos do pai e se casando com a interesseira Bernarda Cabrera, que nunca o amou e traia ele com o escravo Judas Iscariotes.

Nenhum louco é louco para quem aceita as razões dele.

Ygnacio retrucando seu pai

Vivo espantado de estar vivo.

Ygnacio sobre sua fobia

Sierva María de Todos los Àngeles foi rejeitada por sua mãe logo após o nascimento, seu parto foi muito complicado, e ela quase morreu estrangulada pelo cordão umbilical. Seu pai não lhe dava muita atenção e a menina de doze anos acabou sendo criada pelos escravos, inclusive ela usava as mesmas vestimentas, tinha a mesma religião e falava idiomas de tribos africanas. Largada pelo quintal da mansão do marquês Ygnacio, Sierva María vivia como uma selvagem.

A mãe a odiou desde que lhe deu de mamar pela única vez e se negou a tê-la consigo com medo de matá-la.

Bernarda Cabrera odiou sua filha desde o nascimento, inclusive tinham medo que ela matasse Sierva María, isso se deu pelas alterações hormonais e pela oscilação das emoções e sentimentos durante e após a gravidez, ou seja, tudo leva a crer que Bernarda teve uma psicose puerperal (transtorno de humor) depois do parto complicado, tornando-a mais suscetível a distúrbios psicológicos, como a esquizofrenia paranóide, a qual já devia possuir um histórico.

Sierva María apresentava pseudologia fantástica (mitomania), isto é, ela mentia compulsivamente, o que detecta a negação de sua história pessoal. Geralmente pessoas com mitomania, estão em sofrimento e não aceitam sua própria realidade, mentindo conscientemente.

(…) nenhuma resposta sua era verdadeira.

O filho funciona como um espelho dos pais, e se ambos não se amam, logo enxergaram no filho suas características, se tornando objeto de ódio. Além disso, Bernarda parecia disputar com a filha, até mesmo a atenção do marquês que ela mal o olhava, dizendo “ou ela ou eu”.

Muito ódio que sentiam pela menina se devia ao que havia nela de um e de outro.

Devido às alterações hormonais provocadas pela gravidez e pelo parto complicado, o surgimento de um quadro de TOC (transtorno obsessivo compulsivo) se instalou. Lembrando que Bernarda era uma mãe tóxica, com esquizofrenia paranóide, ela se sentia perseguida por Sierva María, acreditando até que a filha havia feito um vudu para prejudicá-la. Bernarda sempre olhava com ódio para a filha e logo julgava que Sirva María fazia o mesmo. Atormentada pelas ideias de perseguição, na tentativa de diminuir a ansiedade provocada, Bernarda tomava banhos de maneira compulsiva, para se livrar dos pensamentos ruins e obsessivos (compulsão por higiene).

Bernarda se aplicava lavagens até três vezes ao dia para sufocar o incêndio de suas vísceras, ou afundava em banhos quentes com sabonetes perfumados até seis vezes, para temperar os nervos. 

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Jogada no Convento de Santa Clara para se curar da raiva, Sierva María foi confundida por um quadro de possessão demoníaca, sendo submetida aos castigos de exorcismo e incomodada pelas freiras do local. Como uma atração turística, todos do convento visitavam sua cela para aporrinhar a menina, que estava acorrentada devido ao medo do demônio possuir um novo corpo.

Tratada como o verdadeiro demônio, Sierva María começou a “incorporar” o mesmo, seria a profecia autorealizadora ou autorrealizável, a menina usou o medo das freiras para aterrorizá-las ainda mais e revidar o tratamento que recebia, porém quanto mais ela fazia isso, mais tempo permanecia no Convento de Santa Clara, em sua cela no pavilhão das enterradas vivas.

A profecia autorrealizável é, no início, uma definição falsa da situação, que suscita um novo comportamento e assim faz com que a concepção originalmente falsa se torne verdadeira.

Robert K. Merton (sociólogo)

Sierva María imitava vozes de além-túmulo, vozes de degolados, vozes de monstros satânicos, e muitas acreditavam nas pecas que pregava e as deram como certas nas atas.

Acho que matá-la seria mais cristão do que enterrá-la viva.

 

A história se passa em Cartagena das Índias, uma cidade da Colômbia, colonizada pelos espanhóis e palco de uma mistura de crenças africanas trazidas pelos escravos e ao mesmo tempo, uma cidade dominada pela Igreja Católica, que condenava tudo o que não sabia explicar e estava fora de seus princípios, atribuindo características demoníacas.

Às vezes atribuímos ao demônio certas coisas que não entendemos, sem cuidar que podem ser coisas que não entendemos de Deus.

Caytano Delaura

Durante a internação de Sierva María, o marquês se une mais a filha, movido pelo medo de perdê-la, já Bernarda apenas sente vergonha depois que o público fica sabendo da situação, ela ainda encontra o alívio ao descobrir que Sierva María não voltaria nem tão cedo para mansão, se voltaria.

Enquanto isso, a relação extra conjugal de Bernarda se desenvolve de forma abusiva, agora a dominadora havia se tornado submissa, escrava às vontades de Judas Iscariotes, os papéis se invertem. Irreconhecível, ela toma atitudes impulsivas em nome da paixão, depois Bernarda entra em surto psicótico, agitada, ela não para de falar sozinha e começa a delirar.

Preocupado com a saúde de Sierva María, o marquês Ygnacio não sabe mais o que fazer, voltando a crer em Deus, ele se agarra a única saída, a fé. Ygnacio procura ajuda da Igreja, e coloca a vida de sua filha nas mãos do padre Caytano Delaura, que duvida da possessão e procura ter um contato direto com menina, mas ao se aproximar dela, ele irá encontrar um desafio muito maior, o amor. Disposto a enfrentar os possíveis demônios, Caytano percebe que está apaixonado por Sierva María e sendo padre, ele vai ser colocado em tentação para fazer jus aos votos de castidade e celibato.

Não há remédio que cure o que a felicidade não cura.

Minha opinião

O livro é curto, mas a estória é bem intensa, rendendo a análise psicológica dos personagens. Para mim, o marquês Ygnacio foi um elemento surpresa, pois não esperava muito dele, que acabou tendo sua trajetória mais interessante. Apesar das barreiras apresentadas no caminho do marquês Ygnacio, como o seu pai dominador, as perdas que vivenciou, seus relacionamentos amorosos conturbados e seu pavor pela vida social e pelos animais da fazenda, Ygnacio era um homem simples, generoso e sempre teve que superar seus problemas sozinho. Ele parecia um personagem deslocado tentando encontrar o seu espaço e consequentemente, se autoconhecendo com o avançar da estória.

A escrita de Gabriel García Márquez nesse livro é carregada de sentimentos para mostrar como todos nós precisamos de amor e sem ele, podemos ser infelizes. Do amor e outros demônios é um romance sensível e misterioso, a partir dessa leitura entrei em contato com o realismo fantástico de Gabo, e gostei. Cem Anos De Solidão vai aparecer aqui no Melkberg mais para frente, pode esperar por outras resenhas dedicadas aos livros desse autor colombiano tão prestigiado.

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