“Três mortes”, “Kholstómer”, “O diabo”, “Falso cupom” e “Depois do baile” são os cinco contos escritos por Liev Tolstói mais conhecido pelas obras-primas “Guerra e Paz” e “Anna Kariênina“. Como de costume, Tolstói descreve com maestria a alma de seus personagens e todos seus conflitos em O Diabo e outras histórias. Nesta coletânea são abordados temas, como: paixão, ciúme, morte, traição, consciência moral, decadência da aristocracia, vida no campo e dilemas da justiça.
O DIABO E OUTRAS HISTÓRIAS: CONTOS
TRÊS MORTES
Uma narrativa curta que nos revela como a morte pode ser distinta de acordo com a classe social de cada um. Em “Três mortes”, Tolstói examina o final de vida de uma velha senhora, de um mujique e de uma árvore, que será aproveitada para fazer a cruz do túmulo do mujique. Esse conto é uma crítica ao cristianismo, que segundo Tolstói impede que o homem viva com autenticidade e morra com naturalidade, assim a nobre senhora não aceita seu fim, leva uma vida medíocre em busca da cura. Já o mujique e a árvore são mais livres e aceitam o destino com tranquilidade.
Uma morte rodeada pela exuberância da riqueza em contraste com a morte de um humilde mujique. Os três não têm nenhuma relação entre si. O curioso é que a narrativa da morte da senhora é a maior, podemos interpretar que talvez tenha sido proposital, devido à importância dela ser maior por pertencer a alta sociedade russa. O que se difere do fim do mujique e da árvore, com bem menos destaque no conto.
Uma história muito triste de um cavalo puro-sangue que, para decepção de seu dono, nasceu malhado. Para não estragar a raça, Kholstómer (cavalo) é castrado. Tolstói discute sobre a noção de propriedade, a decadência financeira e a chegada do modelo capitalista na Rússia. O cavalo narra a sua vida como se fosse um humano, aqui ele é dotado de consciência visto como racional, já o homem será o irracional. Acompanhamos os poucos momentos mais alegres até os mais sofridos e deprimentes de Kholstómer. Além disso, é enfatizada a perplexidade do cavalo por não entender o porquê o chamam de propriedade do homem, qual o sentido de algo pertencer à uma pessoa unicamente?
Ao se sentir desprezado devido à sua diferença na pelagem pelos outros cavalos movidos pelo sentimento aristocrático, e ao ser maltratado pelos homens por enxergarem o cavalo não como um animal de Deus e da natureza mas como uma propriedade. Kholstómer passa a fazer reflexões na sua solidão sobre o comportamento dos humanos, como eles se relacionam com as coisas e as pessoas pelo sentimento de propriedade, a distância entre o dizer e o fazer. Quem tem posse tem poder. O discurso de Tolstói é de caráter político e filosófico.
As pessoas não aspiram a fazer na vida o que consideram bom, mas a chamar de ‘minhas’ o maior número de coisas. Agora estou convencido de que é nisso que consiste a diferença essencial entre nós e os homens.
O DIABO
Podemos dizer que o diabo está à espreita nesta história conturbada de amor e obsessão. De origem autobiográfica, Tolstói levanta questões, como: o papel do casamento, do sexo e das relações amorosas, a responsabilidade moral dos indivíduos e o sentimento enlouquecedor de culpa e ciúme. Neste conto, Ievguêni, formado em direito e jovem proprietário de terras, se envolve com uma bela camponesa da região, à princípio parece que não vai dar em nada além da simples necessidade fisiológica de fazer sexo. Porém, Ievguêni não percebe que está criando armadilhas para si mesmo…
Dividido entre o amor da esposa e o prazer sexual da amante camponesa, é chegado o momento crítico em que Ievguêni precisa fazer uma escolha dramática. Poderia ser apenas mais uma história de amor, mas a narrativa é muito envolvente, mergulhamos direto no psicológico dos personagens. Achei interessante perceber que a falta da relação sexual com a camponesa, fez Ievguêni se tornar muito mais produtivo ao canalizar sua energia no trabalho, através da sublimação (mecanismo de defesa). Gostei bastante da alternativa escolhida por Tolstói para o final do conto.
FALSO CUPOM
Orgulho, desonestidade, arrependimento, os demônios dos pensamentos obsessivos, o papel da religião e o modo como a fé e o Estado se relacionam são abordados neste conto sobre dois estudantes que falsificam um cupom, desencadeando uma série de eventos. Ninguém quer receber e ficar com o cupom e ao longo de dez anos, até que a história retorne aos estudantes, acompanhamos vários personagens, acontecimentos e tragédias causadas por aquele ato inicial inconsequente.
Como a atitude imatura do filho do presidente da Casa da Moeda, que viu seu pedido de adiantamento de mesada recusado e foi influenciado por um garoto malandro que falsificou o cupom, provocou sérias consequências, alterando a vida de muitas pessoas que não estavam envolvidas na falsificação. Essa história tinha grande potencial para ser agradável de ler, entretanto acabou se tornando uma narrativa longa e confusa.
DEPOIS DO BAILE
O último conto trata de política e moral, entremeado por uma paixão arrebatadora. Um rapaz dança a noite toda com a filha de um coronel. No fim do baile, não consegue parar de pensar nela, mas esse clima de paixão se contrapõe com uma cena terrível que ele presencia, na qual o pai dela, é um dos principais envolvidos. Ele conhecia já o coronel e o considerava um homem bondoso. Completamente atormentado e decepcionado, o rapaz começa a desenvolver várias conclusões. Será que isso irá abalar o seu amor?
Se você nunca leu nada de Tolstói, acredito que esse livro pode ser uma porta de entrada tranquila para conhecer as obras mais complexas e longas deste grande autor russo que escreveu sobre os mais variados assuntos ao longo de sua jornada, como: religião, ética, arte, morte, justiça, fidelidade conjugal, organização social e etc.
Todos os contos desta edição da companhia das letras foram traduzidos diretamente do russo. Para mim, as narrativas mais envolventes são “O Diabo” e “Kholstomér”. Se você gostou do post e já leu O Diabo E Outras Histórias ou qualquer outro livro de Tolstói, não deixe de comentar :)
Ficou com vontade de ler?
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