Como seria ter o cérebro resetado, novinho, igual de uma criança? Esquecer o que aprendeu e começar do zero, inclusive, olhar o mundo como se fosse pela primeira vez, onde tudo é novidade. Você gostaria de acordar, pelo menos, uma vez assim?
Estive pensando nisso após assistir a Pobres Criaturas. Pra quem ainda não viu e, calma, não vou dar spoiler por enquanto, uma das primeiras cenas do filme mostra uma grávida deprimida se jogando de uma ponte em Londres. Como uma grande ficção, a misteriosa mulher não morre e é salva por um cientista esquisitão que resolve criar a sua versão de Frankenstein, ao transplantar o cérebro do neném para o corpo da mãe e depois a reanima, graças às propriedades incríveis da energia elétrica.
Com roteiro de Tony McNamara, Pobres Criaturas é inspirado no romance homônimo do escocês Alasdair Gray, publicado nos anos 1990. Além disso, o filme pode ser considerado uma reinterpretação do clássico Frankenstein, escrito numa noite de tempestade e trovões por Mary Shelley, enquanto enfrentava o doloroso luto de perder um filho e queria tê-lo de volta. Entretanto, desta vez a criatura será uma mulher batizada de Bella Baxter por seu criador Dr. Godwin Baxter. A ideia de brincar de Deus sempre foi algo explorado pelo homem, não é por acaso que o personagem de Willem Dafoe é apelidado por Bella como “God”.
Agora a incrível Bella Baxter precisa aprender a andar, falar, comer, entre outras coisas. É nítida a discrepância entre o corpo e o cérebro, no entanto seu desenvolvimento é veloz. Ganhando uma nova vida, sem lembrar de quem era, como uma criança curiosa, ela quer desbravar o mundo, conhecer o desconhecido, experimentar de tudo um pouco para se autoconhecer.
A inocência de acreditar que todas pessoas são boas, logo muda quando fica chocada ao descobrir a exploração e a pobreza, as mazelas e injustiças existentes. Não demora muito, Bella chega na puberdade, com os hormônios fervilhando, entende o seu corpo como fonte de prazer. Todavia, mesmo amadurecendo, mantém uma infantilidade que ainda a permite se encantar e se espantar com o mundo.
Você está lendo um post que euzinha fiz. Que tal fazer terapia comigo?
Seja mais que um leitor. Aqui existe um espaço reservado para dar toda a atenção aos seus pensamentos. Por que deixar para amanhã o que você pode mudar hoje? Cuide da sua saúde mental, invista em você!
Análise do Filme
Dirigido pelo diretor grego, Yorgos Lanthimos o mesmo que produziu A Favorita e O Sacrifício do Cervo Sagrado. Em Pobres Criaturas, Lanthimos aborda: a sexualidade, a busca das mulheres por igualdade, formas de controle nas relações, a criação e o desenvolvimento do ser humano, os limites da ciência e os dilemas éticos e morais que nos envolvem e reprimem todo o tempo.
A narrativa mergulha nas profundezas da psique humana, expondo as complexidades do amadurecimento feminino em meio à uma sociedade opressora. O resultado da estranha jornada de Bella Baxter, interpretada de forma cativante por Emma Stone, rendeu o prêmio de Melhor Atriz no Golden Globes.
É um deleite ser espectador dessa trama. Antes de entrarmos na mansão do Dr. Godwin Baxter, caminhando pelo jardim, avistamos bichos domésticos que são resultado de uma experiência científica, uma fusão de diferentes espécies. O trabalho da direção de arte cria uma ficção onde o grotesco e o belo se entrelaçam de forma intrigante. Remetendo ao cinema antigo e épocas passadas, o filme se inicia em preto e branco e depois se transforma num intenso colorido.
Bem distante do convencional, diria que parece até uma “bagunça organizada”. Esteticamente, o filme Pobres Criaturas é marcado por uma espalhafatosa mistura de elementos surrealistas e fantásticos. Com uma trilha sonora e ângulos cinematográficos singulares, a distorção da lente “olho de peixe”, vestimentas vitorianas e cenários deslumbrantes. Tudo funciona para chamar a atenção do público. Com ótimas atuações, dramático, cômico e polêmico, tem quem goste de Pobres Criaturas e quem fica incomodado com as cenas de sexo.




O desejo nos move segundo a Psicanálise
BELLA BAXTER: DE CRIATURA À CRIADORA
O cérebro de um neném no corpo adulto explica o comportamento sem filtro, o fazer somente o que dá vontade, não obedecer ninguém, seguir seus instintos. Podemos dizer numa leitura psicanalítica que Bella Baxter é regida pelo princípio do prazer, ou seja, é movida só pelas exigências do id.
Embora tenha uma figura paterna para protegê-la e fornecer um lugar seguro e até divertido de morar, Dr. Godwin controla tudo o que está ao redor de Bella, desprovendo-a do que mais sente falta: a liberdade, a possibilidade de fazer suas próprias escolhas e conhecer o mundo e tudo o que ele tem para lhe oferecer, de bom e de ruim.
Passou boa parte da vida confinada, sem saber o que tinha ocorrido com ela no passado, se revoltou e fugiu com um homem cafajeste, o advogado Duncan Wedderburn (Mark Ruffalo), que inicialmente se atraiu pelo jeito selvagem da mulher, mas quando percebeu que não seria sua propriedade e se enxergou nela, sentiu nojo, surtou, pois somente ele tinha o direito de tratá-la como um objeto sexual e depois de satisfeito, descartá-la. Resumindo, ao se relacionar com Bella Baxter, Duncan provou do seu próprio veneno, o que foi insuportável, coitado, pobre homem.
Sem a castração, indo na direção contrária à neurose, a relação do desejo em Bella se reduz à demanda por novas experiências que promovam sua satisfação e de não negação de suas pulsões. Bella Baxter atua na realização incessante do gozo e todas pessoas ao seu redor se reduzem a ele, por esse motivo que não constitui vínculos com ninguém senão por conveniência.
A sexualidade de Bella e as cenas de sexo podem ser comparadas à teoria freudiana, em que revela qual fase, momento da vida do desenvolvimento da criança-adolescente a libido se encontra. No filme, vemos a chamada fase fálica, onde a zona de erotização é o órgão sexual, por isso nessas cenas Bella descobre a masturbação. Após existe a fase de latência, que se caracteriza por uma diminuição das atividades sexuais para aquisição do conhecimento. E por último atinge a fase genital, que é busca de prazer, não em si, mas junto ao outro, que se concretizaria na puberdade.
Caindo no submundo da prostituição combinado ao seu excesso energia libidinal, Bella saiu da redoma por completo. Depois, regressa à sua antiga casa, tenta descobrir o que a fez querer se matar quando era Victoria, e por fim faz as pazes com o passado, iniciando mais uma fase em sua vida. Bella Baxter se reconstruiu várias vezes até atingir uma noção de identidade, porém seu lado rebelde ligado à infância, o querer fazer o que bem entender nunca foi deixado para trás. Como uma forma de defesa, isso permitia que ninguém à dominasse.
Livre de repressões, a mente de Bella é estruturada a partir da perversão. O oposto é sua versão passada, Victoria, uma neurótica que sofria de melancolia, sem autonomia, vivendo uma vida sem sentido junto à um marido violento, resolve dar fim a todo sofrimento.
Se compararmos as duas versão da protagonista pelo viés da psicanálise. Eu diria que Eros, a pulsão de vida que abrange as pulsões sexuais e as de autoconservação está mais próxima da imagem de Bella. E Tanatos, a pulsão de morte, que pode se manifestar como pulsão agressiva ou destrutiva está mais próxima da imagem de Victoria.
Obedecendo as exigências do id, os instintos e a impulsividade da mente. O pior quase acontece quando descobre mais sobre o seu passado, ela então conhece quem era o seu marido, Alfie Blessington, um militar de alta patente, que quer “tomar posse” de sua esposa agora chamada de Bella e na tentativa de repreendê-la por seus “maus comportamentos”, chama um médico para cortar seu clitóris e “livrá-la de desejos pecaminosos”. Nessa cena ficou claro a representação de Alfie como a parte da mente denominada superego, a qual nos impede de fazer tudo o que o id deseja.
A existência de Bella Baxter transcende os limites da conformidade e normalidade, desafiando a “sociedade polida”. Porém, conforme seu intelecto vai se desenvolvendo através das conversas com novas pessoas, diferentes vivências e pelas horas dedicadas às leituras sobre medicina, filosofia e política, um freio invisível começa impedi-lá de seguir com alguns comportamentos antigos, mesmo assim continua sem deixar que nenhum homem à proíba de fazer suas vontades.
O único homem que de fato amou e aceitou todas as particularidades de Bella foi Max McCandless, o assistente do Dr. Godwin. Aliás, depois de se relacionar com outros homens, ela compreende que Max era diferente e que nunca a aprisionaria. Ciúmes, possessão e egoísmo contradizem a essência do ato de amar. E o filme incentiva a construção de relacionamentos baseados na liberdade e no respeito mútuo.
As polêmicas cenas de sexo podem causar constrangimento, sim, dependendo com quem você escolha assistir a Pobres Criaturas, todavia ajudam a contar a narrativa de uma protagonista movida pelo desejo, pela pulsão de vida. O mesmo corpo que no passado foi tomado pela pulsão de morte tem agora a chance de ser sua própria criadora e se auto reinventar como Bella Baxter.
Espero que esse conteúdo ilumine sua mente, que seja insight!
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Excelente!
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Obrigada! 🌟
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