Hikikomori: Quem são os eremitas modernos do Japão? - psicologia, arte & cultura - Melkberg - hikikomori - pais - Japão - sociedade - jovens - social - isolamento - eremita - casa - fenômeno - Saito - comportamento - Tamaki Saito - quarto

Hikikomori: Quem são os jovens eremitas do Japão?

Quando tudo parece confuso demais, mergulhado(a) num mar de incertezas, a atitude mais coerente seria pensar com calma e agir sem pressa. Todavia, a realidade não é uma calmaria, o mundo está sempre passando por épocas sombrias e instáveis. Enfrentar obstáculos e períodos conturbados, não é uma tarefa fácil, ainda mais quando tudo parece ir contra, quando você não visualiza uma saída. Curiosamente, assim nos anos 1990, surgiu no Japão um fenômeno social chamado Hikikomori (ひきこもり ou 引き篭もり) que significa isolado em casa, em resposta às fortes pressões psicológicas da sociedade japonesa.

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Esse fenômeno social que tem cada vez mais chamado a atenção dos pesquisadores, foi descrito primeiramente por Tamaki Saito (em seu livro Hikikomori: Adolescence Without End), e se caracteriza pelo grave isolamento social voluntário de adolescentes e jovens adultos por pelo menos seis meses. Tamaki Saito era um um psicólogo recém-formado quando ficou intrigado ao perceber o elevado número de pedidos por ajuda de pais que estavam preocupados, após seus filhos deixarem de estudar para ficar em seus quartos. Nessa época, esses adolescentes tinham cerca de 15 anos, eram do sexo masculino e pertenciam à famílias de classe média. 

Estima-se que, mais de 1 milhão de jovens japoneses, se fecham em seus quartos, geralmente na casa dos pais, e por lá permanecem longos anos enclausuradosJovens estes que sentem a pressão do alto grau de perfeição exigido das pessoas em tarefas diárias, o que provoca ansiedade, baixa autoestima e outros problemas psicológicos. Segundo Saito, os hikikomori ficam paralisados pelos temores sociais, em casos mais extremos, isso pode se prolongar alcançando a casa dos quarenta anos ainda dependentes dos pais e sem experiência profissional.

Eles são atormentados mentalmente. Eles querem ver o mundo, fazer amigos e ter namorados, mas não conseguem.

Tamaki Saito

Como eremitas modernos, os hikikomori se afastam da sociedade, esperam no isolamento, tendo como companhia a sua própria solidão e com paciência eles permanecem inertes na passagem do tempo. Será um comportamento sábio, se recolher quando tudo parece estar o caos? Estariam eles buscando respostas interiores ou apenas recusam aceitar a realidade? Desejando encontrar o equilíbrio entre sua mente e seu ambiente?

Nesse mundo, onde gradativamente, as pessoas querem tudo de imediato, fórmulas mágicas, consumo desenfreado, num cenário cercado de aparências, há também gente que está virando as costas silenciosamente pra toda essa poluição de informação, propagandas, imagens, outros estímulos e prazeres.

Compreendido como problema de saúde pública, o que antes era considerado um comportamento ligado à cultura nipônica, ultimamente os casos de hikikomori estão se espalhando pelo mundo, eles não estudam nem trabalham, provocando efeitos não apenas aos próprios sujeitos que estão imersos nessa bolha como também aos seus familiares, que adoecem psiquicamente e se isolam com os filhos, atingindo a sociedade como um todo pelo impacto econômico grave, principalmente no Japão, pois acomete indivíduos na faixa etária economicamente ativa e a população de idosos é a mais alta registrada, ou seja, muitos aposentados e mais jovens desempregados, como fecha essa conta? E tudo indica que o número exato de hikikomori é muito maior, visto que eles não procuram por ajuda ao optaram pelo estilo de vida recluso e hermético. Além disso, a idade média deles saltou na última década, de 21 para 32 anos.

É importante frisar que não há um consenso entre os estudiosos, se hikikomori é um transtorno mental ou um estilo de vida, portanto não é classificado como doença no CID e no DSM. Ainda existem vários questionamentos a respeito desse fenômeno, em relação aos motivos psicológicos que provocam esse distanciamento social. Conheça a seguir as causas que podem estar envolvidas nesse padrão de comportamento.

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Quarto de Shoku Uibori (43 anos) é um hikikomori há sete anos. Antes, era um empresário, mas depois que sua empresa faliu, se tranca no quarto o dia todo para ler e, às vezes, sai à noite apenas para comprar comida e outros itens básicos em lojas de conveniência. Foto: Maika Elan
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Fuminori Akoa (29 anos) está em seu quarto há um ano. “De acordo com ele, é um grande homem e poderia fazer coisas extraordinárias, mas nem sempre tenta o seu máximo”, explica a fotógrafa Maika Elan, que o visitou com uma assistente social. “Ele muda seus hobbies e objetivos frequentemente e diz que, aos poucos, se perdeu.”

Entenda o ciclo da culpa envolvida e os demais fatores…

A maioria dos hikikomori são de famílias de classe média ou alta e não existe história de abuso físico ou sexual. Entretanto, todos apresentam dificuldade de confiar em outras pessoas e sintomas relacionados a trauma, como a insônia, indiferença afetiva, queixas somáticas e sintomas depressivos. Ademais, há o histórico de apego ambivalente ou ansioso, isto é, o excesso de controle e proteção por parte dos pais, assim como ameaças e rejeição, esses comportamentos parentais são nocivos às crianças mais sensíveis e de temperamento tímido.

É muito comum que experiências traumáticas como o bullying no ambiente escolar, determinem o abandono dos estudos, porque a exclusão, rejeição pelos colegas de escola já é um fator determinante em um sociedade coletivista como a japonesa, junto a isso ocorre a violência psicológica e física que provocam intenso sofrimento, o que afeta negativamente o desempenho do aluno e, se tratando de Japão, notas ruins geram motivo de vergonha, contribuindo mais para o isolamento voluntário.

Comecei a me culpar e a meus pais por não ir ao colégio. A pressão começou a crescer. Daí, aos poucos, comecei a ficar com medo de sair e com medo de encontrar pessoas. E então eu não conseguia mais sair de casa. Eu tinha todo tipo de emoção negativa dentro de mim. O desejo de ir para fora, a raiva contra a sociedade e contra meus pais, a tristeza por ter essa condição, o medo sobre o que poderia acontecer no futuro e os ciúmes das pessoas que estavam levando vidas normais.

Para Hide, os problemas começaram quando ele abandonou os estudos.

Uma dessas forças sociais que impedem que a pessoa deixe de ser um hikikomori é chamada Sekentei (世間体), a palavra significa os valores que o cidadão deve seguir para ser bem visto aos olhos da sociedade, isto é, o que ele deve fazer para ser socialmente aceito, sua reputação e consequentemente a pressão que sofre para impressionar os outros. Quanto mais tempo o hikikomori fica afastado da sociedade, mais consciência ele terá de seu fracasso social, sua autoestima e autoconfiança entram em declínio, a perspectiva de sair de casa se torna aterrorizante, a única alternativa que traz “segurança” é se manter trancado no quarto.

Ligado à isso, está o comportamento de evitar frustrações, desistir antes de tentar algo, como por exemplo o vestibular, mesmo tendo o sonho de seguir uma profissão, a competitividade e a possibilidade de falhar e não saber como lidar, é apavorante durante a transição da adolescência para a fase adulta, marcada por cobranças familiares e sociais.

No Japão, onde ainda se preza pela uniformidade e onde reputações e aparências são primordiais, a rebelião chega de forma muda, como os hikikomori.

Oguri Ayako, assistente social, já ajudou entre 40 e 50 pessoas a saírem do isolamento.

Antigamente no Japão, quem era um bom aluno na escola e na universidade, já estava com seu emprego garantido, não tinha como dar errado, mas com o estouro da “bolha econômica” nos anos 80 e a recessão da década de 90, a geração seguinte passou a conviver com a insegurança e o desemprego. Essa falta de estabilidade financeira junto às mudanças no mercado de trabalho resultaram em maior competitividade, mentalidade individualista e poucos jovens com experiência profissional, numa sociedade que te avalia pelo sucesso profissional, assim deu início ao fenômeno hikikomori que se fortalece progressivamente.

Eu estava mentalmente bem, mas meus parentes me empurravam para um caminho que eu não queria. Meu pai é um artista e tem seu próprio negócio. Ele queria que eu fizesse o mesmo. (…) Fiquei violento e tive que viver separado de minha família

Matsu queria ser programador numa grande empresa, e seu pai vivia criticando a ideia, mas apoiava o filho mais novo a fazer suas próprias escolhas.

Jovens desempregados e reclusos tendem a trocar o dia pela noite, com fácil acesso à tecnologia, sustentados pelos pais, eles não precisam sair de casa nem para comprar alimentos e bebidas, o que os mantêm numa posição confortável e entretidos em seus quarto com internet, redes sociais, videogames, livros e etc. Eles não sentem a necessidade de socializar, por isso a incapacidade de construir laços afetivos significativos tem se tornando outro agravante.

Os pais dos hikikomori enfrentam muitas dificuldades e sofrimento psíquico, é uma mistura de sentimentos desde a preocupação com o futuro do filho até vergonha, culpa, medo e raiva. Alguns pais também resolvem se isolar socialmente para evitar a exposição do problema. Outros tratam o filho com raiva para fazê-los sentir culpa por trazer vergonha à família. Com isso, a comunicação entre eles é restrita, alguns hikikomori se recusam a fazer as refeições em família, comendo sozinhos no próprio quarto. Cientes da dor que causam aos familiares, mesmo sentindo-se sufocados por seu jeito fechado, os hikikomori não conseguem pedir ajuda.

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Fenômeno Hikikomori e o arquétipo do Eremita

O arquétipo do Eremita (ou velho sábio) é o símbolo de solitude, gostar de estar com você mesmo, num momento de reflexão, em busca da iluminação, clareza das ideias, mas existe o lado sombrio que o cerca, sendo associado à renúncia aos prazeres mundanos, a sensação de vazio, os momentos de tristeza e angústia, a autodestruição, a recusa do processo natural de crescimento e envelhecimento, a postura indiferente, o abandono das responsabilidades, a desconfiança, os questionamentos intermináveis, o isolamento e a solidão. E nos momentos em que o eremita não consegue agir, os outros utilizam termos depreciativos para julgar a aparente falta de compromisso dele.

A verdade é que todos nós somos cobrados o tempo todo e muitas vezes essa cobrança também é interna. Buscamos pelo reconhecimento, desejamos ser elogiados e até negligenciamos os sinais de um corpo que clama por descanso. Nesse sentido, o eremita reflete a necessidade de pausar e olhar para dentro de si, se concentrar no que é essencial e desviar a atenção das ilusões, mas não é preciso se isolar de tudo e todos para alcançar isso.

No tempo em que poupa sua energia, repense e analise sua trajetória, sinta o desconforto das feridas do passado e procure tratá-las a fim de adquirir maturidade e consciência do que tem real importância para a sua vida e se dedicar a isso, encare os fatos, compartilhe a sua dor com aqueles que confia e passe para uma nova etapa. Assim como a imagem do eremita, carregue consigo o lampião, a luz para você se guiar pelos caminhos, no entanto não desvie mais da sua rota, você já teve todo o tempo na palma da sua mão para reavaliar a sua vida e obter as respostas, não fique andando em círculos, não devora-ti a si mesmo, siga em frente agora.

Quando já conhece os seus desejos e seus defeitos, é a hora de tomar decisões e ser protagonista da própria vida, confiar mais em si, pois esse lado introspectivo conseguiu atravessar a escuridão e entender as contradições internas e externas. No tempo do eremita, devemos utilizar nossas vivências para iluminar o que está adiante, ou seja, o isolamento nos obriga a enxergar nossas inseguranças e nossos pontos fortes, nos obriga a desenvolver a paciência, resiliência, mas isso tem de servir para escrever novos capítulos da nossa história e não nos manter fechados para o mundo.

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