Sinopse: A história de ‘O conto da aia’ passa-se num futuro muito próximo e tem como cenário uma república onde não existem mais jornais, revistas, livros nem filmes – tudo fora queimado. As universidades foram extintas. Também já não há advogados, porque ninguém tem direito a defesa. Os cidadãos considerados criminosos são fuzilados e pendurados mortos no muro, em praça pública, para servir de exemplo enquanto seus corpos apodrecem à vista de todos. Nesse Estado teocrático e totalitário, as mulheres são as vítimas preferenciais, anuladas por uma opressão sem precedentes. O nome dessa república é Gilead, mas já foi Estados Unidos da América. As mulheres de Gilead não têm direitos. Elas são divididas em categorias, cada qual com uma função muito específica no Estado – há as esposas, as marthas, as salvadoras etc. À pobre Offred coube a categoria de aia, o que significa pertencer ao governo e existir unicamente para procriar. Offred tem 33 anos. Antes, quando seu país ainda se chamava Estados Unidos, ela era casada e tinha uma filha. Mas o novo regime declarou adúlteros todos os segundos casamentos, assim como as uniões realizadas fora da religião oficial do Estado. Era o caso de Offred. Por isso, sua filha lhe foi tomada e doada para adoção, e ela foi tornada aia, sem nunca mais ter notícias de sua família. É uma realidade terrível, mas o ser humano é capaz de se adaptar a tudo. Com esta história, Margaret Atwood leva o leitor a refletir sobre liberdade, direitos civis, poder, a fragilidade do mundo tal qual o conhecemos, o futuro e, principalmente, o presente.
RESENHA FILOSÓFICA: O CONTO DA AIA
O Conto da Aia de Margaret Atwood propõe uma leitura reflexiva sobre o ser humano e o poder, como seria uma vida tomada por um governo repressor que exclui todas as condições e direitos humanos essenciais para sobrevivência. Um governo que rouba a sua vida e ainda te exige lutar por ela. É nesse cenário que ocorre a narrativa de Offred, que na verdade não possui esse nome de batismo, e sim seu nome de Aia.
O poder corrompe o ser humano, e também o destrói. O governo tinha o poder e destruiu a vida de Offred. Quem possui qualquer nível de poder, ainda mais numa política de totalitarismo, pode fazer coisas inimagináveis e desconhecidas para a própria pessoa que realiza seus atos. E num sistema político como esse, a primeira coisa que eles fazem é retirar a identidade do mais fraco na hierarquia.
Sem identidade, você se sente cada vez mais, um nada diante da multidão, você perde sua história e está destinado a seguir as regras do seu agora, proprietário que lhe retirou seu nome e te dá um mero número ou então, no caso de Offred que seria uma identificação do seu Comandante chamado Fred.
Com 33 anos, ela tinha uma função muito importante para uma república tomada por doenças e queda da natalidade, reduzida à condição de animal, ela serviria apenas para procriar. Quem tinha ovários e útero saudáveis, devia agradecer ao Estado por não estar morta, pois era isso que faziam com as ditas “não mulheres”, ou seja, aquelas que não serviam para reproduzir.
Nem todas vocês conseguirão se sair bem. Algumas de vocês cairão em solo infértil ou espinhoso. Algumas de vocês não têm raízes profundas.
Vestidas de vermelho e usando uma espécie de toca com abas laterais, as outras estratégias de poder já estavam colocadas em prática, o novo uniforme agora serviria para identificá-las mais fácil. Já as abas tinham a função de diminuir o campo de visão das Aias, pois quem precisava ver bem seriam os Olhos do poder, que seriam os comandantes, suas esposas, as tias, etc. O poder precisa te vigiar para te manter sob controle e punir aqueles que burlam suas regras, de preferência numa praça pública, para usar o medo e a ameaça como forma de manipulação.
A cor do sangue, que nos define.
Além disso, o discurso de ódio é mais uma das forma de reduzir sua condição humana, sem direito a resposta, xingamentos como “vadia” eram recorrentes para atingir as Aias, e quem desse o mal exemplo, era humilhada moralmente por suas próprias colegas, as outras Aias. Isso tudo era mandado e deveria ser obedecido. Na verdade, as Aias não podiam ser bem colegas uma das outras, pois numa situação de vigilância extrema, todas tinham medo de ser “dedurada” por qualquer pessoa, inclusive, por uma também, Aia.
A punição como forma de poder, gera comportamentos moldados pelo medo. O poder torna corpos dóceis, esse seria uma exemplificação do pensamento de Michel Foucault sobre as instituições disciplinares que produzem um sistema para funcionar de modo que torne os corpos, ou seja, os sujeitos mais maleáveis para produzirem mais, conforme as exigências e ideologia da instituição, assim como as Aias serviam apenas para procriar e seguir as regras e modos exigidos pelo Estado.
… os pensamentos devem ser racionados. Há muita coisa em que não é produtivo pensar. Pensar pode prejudicar suas chances, e eu preciso durar. Sei por que […] a janela só abre parcialmente e por que o vidro nela é inquebrável. Não é de fugas que eles têm medo. Não iríamos muito longe. São daquelas outras fugas, aquelas que você pode abrir em si mesma, se tiver um instrumento cortante.
O isolamento torna o sujeito mais vulnerável a qualquer tipo de comando e companhia. A necessidade de ser olhada por outros olhos sem ser de vigilância, matava aos poucos Offred. A carência e a falta de toque humano destruía o amor próprio e pelos próximos. Onde não há amor, não existe humanidade, o que nos torna humano é a capacidade de amar e de refletir sobre nós mesmos.
O assédio sexual é outro ponto colocado em debate. Para suportar o presente, Offred tenta pensar sobre o seu passado, de modo ilusório e acomodador. Então, ela diz para si mesma que nesse governo, ela não é mais assediada nas ruas e começa a sentir repulsa no jeito como se vestia antigamente. Ela se surpreende como em tão pouco tempo vivendo como uma Aia, suas ideias já mudaram, antes usar batom vermelho e mostrar as pernas era liberdade, agora se chama sexualidade.
Ser vista é ser penetrada. O que vocês devem ser, meninas, é impenetráveis.
Ela percebe então, que o melhor é não pensar mais em sua existência passada, pois assim facilitava a não desistência do presente. Para Offred, cada lembrança trazia um desespero, ela sentia vontade de correr para trás, mas não podia fazer isso, pois seria morta, ela prefere agora, ter a esperança de que algum dia a liberdade chegará e reencontrará sua filha e marido.
O que devo sentir por eles é um branco. O que sinto é que não posso, não devo, sentir.
Uma vida vazia, qualquer novidade se torna um evento, à procura de algo particular que fizesse sentido, uma vida desconhecida, fazia o mistério preencher o vazio. A partir de uma mensagem oculta escrita em latim, Offred só consegue pensar em quem poderia ter escrito e o que significava aquela mensagem, assim ela pensava menos em sua própria existência e encontrava uma razão para continuar viva.
Nolite te bastardes carborundorum.
Agrada-me refletir sobre essa mensagem. Agrada-me pensar que estou em comunhão com ela, essa mulher desconhecida.
Agrada-me saber que sua mensagem tabu conseguiu chegar a pelo menos outra pessoa.
Pergunto a mim mesma quem ela era ou é, e o que foi feito dela.
Tentei descobrir isso com Rita, no dia em que encontrei a mensagem.
Ela não deu certo, disse ela.
Em que sentido?
O que você não souber não lhe tratá sofrimento, foi tudo o que ela me disse.
Castigos, exames médicos, abuso sexual dentro da clínica ginecológica, tudo isso para adestrar e separar os indivíduos, colocando-os no lugar de submissão. Existem momentos que a leitura se torna pesada, mas nada fora da realidade.
A sanidade é um bem valioso; eu a guardo escondida como as pessoas antigamente escondiam dinheiro. Economizo sanidade, de maneira a vir a ter o suficiente, quando chegar a hora.
“Dá-me filhos, ou senão eu morro”, o que era uma dádiva para as mulheres foi reduzido ao castigo, era isso ou nada. A mulher coisificada como objeto sexual e para dar à luz a um bebê, para salvar a espécie humana das pragas. A falta de humanidade com as mulheres e a falta de reconhecimento do papel social que uma mulher pode exercer, tudo se reduz as obrigações e ao dever da mulher.
Não tolerarei que uma mulher ensine, nem que usurpe a autoridade do homem, apenas que se mantenha em silêncio. Pois primeiro Deus criou Adão, depois Eva.
Prisioneira de seu próprio corpo, Offred faria qualquer coisa para não ser torturada e morta, ela só precisava ter um filho, pela primeira vez ela sentia o grande poder que eles tinham sob ela.
Meus seios estão doloridos, secretando. Leite falso, isso acontece com algumas de nós. Sofremos a dor da falta. Cada uma de nós segura no colo um fantasma, um bebê fantasma.
Um lugar altamente controlado por divisão de espaços, categorias e classes, muito higienizado, pode esconder toda podridão diante de nossos olhos e foi assim que Offred descobriu em que lugar vivia, a hipocrisia está instalada em todos os cantos e no Conto da Aia não foi diferente.
Um rato num labirinto está livre para ir a qualquer lugar, desde que permaneça dentro do labirinto.
Enquanto as mulheres viviam presas e só lhe restavam o tédio para curtir, os homens “faziam a farra” e ainda discursavam sobre a Natureza e seus privilégios, eles tinham direito a tudo que era proibido pelo governo. Escondidos num espaço só para eles, passavam a noite se alcoolizando, fumando e ainda precisavam de mais mulheres para servirem como passatempo sexual. Isso tudo era aceito, mas escondido.
A natureza exige variedade para os homens. É lógico, razoável, faz parte da estratégia de procriação. É o plano da natureza.
Em relação à mensagem secreta em latim dita anteriormente, “Nolite te bastardes carborundorum”, esta quer dizer “Não deixe que os bastardos esmaguem você” e foi um grito de desespero de uma Aia condenada ao sofrimento, ela estava certa.
MINHA OPINIÃO SOBRE O LIVRO
A leitura do Conto da Aia, nos faz pensar sobre muitas questões humanas e sobre a civilização. O livro me fez enxergar certos aprendizados que tive em minha faculdade de psicologia, me trouxe um olhar diferente através do livro, onde descreve uma dinâmica política de um governo repressivo da república Gilead. Espero que tenha conseguido expressar meus aprendizados.
Confesso que comprei o livro com muita expectativa, achei que me surpreenderia, porém não causou certo efeito em mim, talvez seja pelo aprendizado que tive anteriormente sobre esse tipo de sistema repressor, mesmo assim, isso não tornou o livro desinteressante para mim.
Cada um terá uma experiência particular. Senti que narrativa foi em alguns momentos, um pouco cansativa, por isso sugiro que leiam outro livro intercalando com o Conto da Aia. Sugiro então, “Vigiar e Punir” de Michel Foucault, o que tornaria a leitura ainda mais rica.
Continuo indicando o livro, principalmente, para quem procura uma leitura que envolve política e ser humano, e é claro, tem curiosidade de ler, essa foi a minha motivação na compra do livro e não perdi meu tempo com a leitura, pois ainda sim, foi produtiva para mim.
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Vendo o que acontece nesta narrativa fictícia, fica a pergunta: A sociedade americana permitiria algo assim na realidade? Não sei se assistiu o filme ‘A onda’, baseado em fatos reais, onde em uma escola americana alunos questionam seu professor sobre a ‘passividade’ do povo alemão perante o surgimento do nazismo sabendo que apenas 10 por cento da população pertencia ao partido nazista. O professor resolve, então, fazer um experimento com sua classe utilizando a metodologia do III Reich: força pela disciplina, força pela comunidade, força pela ação. O resultado obtido é preocupante para a humanidade!
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Acho que é possível, pois dependendo do grau da relação de poder e interesse, qualquer forma de governo totalitário e fascista pode acontecer em qualquer momento da história, por isso que a informação através dos livros e filmes são tão importantes para escolhermos quem queremos no comando político, e assim não corrermos o risco de sermos manipulados e nenhuma forma de alienação ser concretizada. Já assisti “A Onda” e por isso que gosto tanto desse filme, através dele podemos ver como atitudes fora do esperado acontecem rapidamente e tomam proporções gigantescas, sem que ninguém conteste e desobedeça as ordens dentro da camada hierárquica.
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