Resenha do Livro: Ressureição, por Tolstói - blog Melkberg - Tolstói - Nekhliúdov - Katiucha - Ressurreição - Evangelhos - Romance - Dukhobors

Resenha do Livro: Ressurreição, de Tolstói

Publicado pela primeira vez em 1899, Ressurreição foi o último romance de Liev Tolstói. Inicialmente, essa obra obteve grande repercussão, mas foi deixada de lado após críticas apontarem que a narrativa transmitia uma nova visão acerca dos Evangelhos, contrariando a Igreja Ortodoxa Russa. Assim, Tolstói foi excomungado um ano após a publicação do seu livro Ressurreição.

Além disso, o romance analisa uma sociedade russa que mantinha a riqueza, a propriedade como símbolo de desigualdade, exploração e violência do homem contra o seu semelhante, enquanto a maior parte da população vivia na miséria. E critica o sistema judiciário e prisional que condena indivíduos inocentes e os submete a trabalhos trabalhos desumanos e degradantes, devido à falta de compromisso de juízes e jurados que elaboram sentenças falhas.

A criação do enredo está ligada ao ativismo do autor de “Guerra e Paz” para ajudar os Dukhobors, um grupo de cristãos que passou a ser perseguido pelo regime político da época em meados do século XVIII. Os Dukhobors fundaram uma seita condizente com aquilo que Tolstói considerava ser a verdadeira essência do cristianismo. Nesse período, Tolstói era mundialmente conhecido como um grande nome da literatura e doou o valor arrecadado com a venda dos livros ao grupo.

Tolstói se identificava com as ideias dos Dukhobors (os “lutadores do espírito”) que negavam a propriedade, o governo, o Estado, o dinheiro, a Igreja e a Bíblia como fontes de revelação. Segundo Tolstói, a posse coletiva das terras para o cultivo igualitário e distribuição comum dos produtos seria a solução para a pobreza dos camponeses. Contudo é necessária a luta em prol de uma educação social, para que haja uma “ressurreição” do pensar revolucionário e contestador sem violência. Tolstói apostava na revolução interior.

Baseado em fatos verídicos, o enredo de Ressurreição gira em torno de Dmitri Ivanovitch Nekhliúdov, um príncipe (termo não referente a realeza, mas a classe social rica) convocado a integrar um júri, a partir disso reconhece na ré uma criada com quem teve um relacionamento breve no passado e engravidara anos antes. Katierina Máslova (também chamada de Katiucha), agora uma prostituta é detida sob as acusações de roubo e envenenamento de um cliente e por esse motivo, acaba condenada a trabalhos forçados na Sibéria.

O reencontro de Nekhliúdov com Máslova desencadeia uma série de memórias e uma jornada de autorreflexão. Enquanto, o aristocrata busca a salvação da jovem e a própria redenção espiritual, a narrativa revela os verdadeiros criminosos de toda a situação.

Simultaneamente à condenação injusta da pobre Katiucha ocorre o despertar do príncipe Nekhliúdov, que o leva de volta ao passado, tempo em que ignorava os problemas sociais com seu pensamento individualista. Todavia, agora se inicia a necessidade de reparar os erros, por arrependimento de seus atos e alívio de consciência, Nekhliúdov se sente responsável pela degeneração de Katiucha.

(…) a realidade mortifica os sonhos, até que se compreenda seu significado e se aprenda a aceitá-la e a amá-la assim como nos é dada, e seu sopro corroborante e benéfico disperse toda nossa fútil mortificação.

Críticos apontam que Nekhliúdov é uma representação da juventude de Tolstói, o seu alter-ego. Muitos aspectos do personagem são influenciados por elementos biográficos. A protagonista Katiucha, provavelmente, foi composta a partir das memórias da criada, pela qual Tolstói se apaixonou e engravidou na adolescência. 

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Os conflitos que pesam a consciência do príncipe russo são os mesmos que o fazem tentar compreender as injustiças cometidas pela humanidade. Para Tolstói assim como sua criação Nekhliúdov, era imoral que homens sem caráter fossem responsáveis pelo julgamento e condenação dos indivíduos. Tolstói enxergava o Estado como uma instituição falida, um sistema que mantinha a divisão social em classes e favorecia os mais ricos, sendo marcado por desvios e corrupção. As instituições criticadas por ele são os tribunais de justiça e o sistema prisional.

Sua obrigação consistia em manter criminosas e criminosos políticos em calabouços, em prisões incomunicáveis, e tratá-los de tal maneira que, no decorrer de dez anos, metade deles sucumbia, uma parte enlouquecia, outra parte morria de tuberculose e outra parte se suicidava: alguns de fome, outros cortavam as veias com um caco de vidro, outros se enforcavam, outros ateavam fogo ao corpo.

Nekhliúdov passa a sentir aversão pela sociedade ao perceber que esta fecha os olhos às misérias do povo e explora os camponeses no cultivo de suas posses. Entretanto, será somente com a ajuda dos privilegiados que ele poderá defender a causa e salvar Katiucha. Um paradoxo que fará aumentar seu desgosto pela classe social a qual pertence.

Ao enxergar as desigualdades sociais, Nekhliúdov toma outro posicionamento e passa a questionar a humanidade por um viés religioso. Inicia-se a leitura dos Evangelhos, pois lá acredita estar todas as respostas para as suas dúvidas. De acordo com Tolstói, a interpretação dos Evangelhos utilizada pela Igreja Ortodoxa Russa, se distancia profundamente dos verdadeiros ensinamentos de Cristo.

As perguntas iniciais se mantêm e outras são acrescentadas nesse conflito psicológico. Será que Nekhliúdov achou as respostas com sua autorreflexão ao se deparar com as mazelas da humanidade? As respostas estariam mesmo nos Evangelhos? Ou tudo não passa de uma ironia do autor em relação às crenças? 

Próximo ao final do romance, Nekhliúdov está profundamente perturbado depois de sua jornada para reparar o mal feito à Katiucha. Ele visita o necrotério da prisão e se depara com um corpo conhecido, o que intensifica sua crise. A resposta então para os conflitos do protagonista se encontra no Evangelho de Mateus. A cena complexa pode provocar diferentes reações nos leitores dependendo a que religião pertençam.

Como podemos imaginar, Ressurreição deve ter desencadeado muita polêmica ao abordar questões morais e éticas delicadas, no cenário social da Rússia do século XIX. A editora Companhia das Letras lançou também “O diabo e outras histórias”, uma coletânea de cinco contos escritos por Tolstói entre 1858 e 1904, que já tem resenha no blog, confira *•* 

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