Visualmente deslumbrante e vencedor em cinco categorias da premiação César em 2018, por Melhor: Figurino, Fotografia, Adaptação, Cenário e Realização. O filme Nos Vemos no Paraíso, de Albert Dupontel (que também atua como um dos protagonistas) traz uma história triste e ao mesmo tempo bela sobre guerra, arte, identidade, lealdade, ódio, depressão, ambição e corrupção.
Baseado no romance “Au Revoir Là-Haut” de Pierre Lemaître, o título em francês faz referência a um episódio marcante no final da Primeira Grande Guerra Mundial conhecido como “Mártires de Vingré”. Quando a terra se espalhou junto aos corpos destroçados, e no ar ecoou o som das bombas e tiros disparados. Acusados de abandono de posto e de traição por não terem lutado no combate quando estavam sob domínio do inimigo, os soldados franceses foram então fuzilados, servindo de exemplo para seus pares.
Segundo registros históricos, durante a Primeira Guerra Mundial houve um número maior de confraternização entre os soldados de exércitos inimigos, por esse motivo é lógico que as técnicas de treinamento foram modificadas para não falhar na tentativa de matar, aumentando o ódio e diminuindo a capacidade de sentir empatia.
No filme, em novembro de 1918, enquanto os soldados franceses exaustos e angustiados esperam pelo o encerramento do conflito bélico dentro das trincheiras, o sádico tenente Henri Pradelle (Laurent Lafitte) é quem arma a missão suicida de reconhecimento, matando seus próprios combatentes. Nesse instante, surge Édouard Péricourt (Nahuel Pérez Biscayart) que resgata Albert Maillard (Albert Dupontel) dos escombros, entretanto o herói é atingido por uma bomba, e a marca do trauma logo fica estampada em seu rosto agora desfigurado.
Após o ocorrido, tudo volta à “normalidade caótica” e, acima de tudo, lucrativa para os senhores da guerra, somos logo transportados para a Paris de 1919, quando parte da sociedade chorava pelos que morreram em combate e não sabia o que fazer com os que regressaram, pois apesar de sobreviventes, os ex-soldados estavam mutilados, sem conseguir expressar com palavras o que viram nos campos de batalha, o que fazia destruir as suas almas.


Um verdadeiro misto de emoções, a trama conta com personagens fortes, drama familiar, crítica política e social e ainda a armação de um golpe que nos envolve por completo, tudo muito bem colocado com sensibilidade em meio ao cenário pós-guerra. Unidos pela tragédia, Albert e Édouard tentam juntar os cacos em que suas vidas foram transformadas.
O filme é narrado por Albert através de um longo flashback que perpassa o entrave entre França vs Alemanha até o tempo presente, quando ele foge para a África. Em novembro de 1920, numa delegacia no Marrocos, Albert presta seu depoimento e recupera todas as desventuras que viveu junto com seu amigo nos dois últimos anos.
Com personalidades completamente distintas, esta dupla não tem nada em comum, a não ser a guerra. Édouard pertence à uma família rica e é um desenhista nato, inclusive, fazia caricaturas dos companheiros de front. Chegando à meia-idade, Albert é um ex-contador sem muitas perspectivas, mas movido pelo sentimento de gratidão, o homem mais velho se torna protetor do jovem artista. E quando tem a possibilidade de voltar para casa, Édouard pede que o amigo altere os arquivos, sendo dado como morto, para assim prosseguir sua vida com outra identidade.


Rosto e Identidade
Depois de ter o maxilar destruído por estilhaços de uma granada, com sintomas severos de depressão e sofrendo dores alucinantes, Édouard fica aos cuidados de Albert que chega a roubar morfina para aliviar a dor do amigo. Apesar da cumplicidade, o convívio entre eles não é nada fácil, diante da falência financeira e deterioramento psicológico, durante essa fase complicada chega na vida deles uma criança abandonada que se torna a porta-voz de Édouard, que mal consegue falar.
Durante a crise artística de Édouard será a pequena Louise (Heloise Balster), que vai incentivá-lo e ajudá-lo nos projetos de pinturas, colagens e esculturas. A criança é o centro da humanização num drama profundo, movido pela raiva e vingança na tentativa de recuperar a dignidade perdida entre os escombros de uma mente traumatizada e de uma civilização em ruínas.
O sofrimento de sujeitos com deformidades no rosto, que sobreviveram a traumas provocados por episódios violentos, podem: perder seu referencial, captar o olhar de estranhamento dos outros quando não o reconhecem mais através da nova imagem, e passar pelo constrangimento devido à reação de espanto dos desconhecidos. A vítima se sente desapontada e confrontada por seu reflexo no espelho dia após dia, provocando ondas de desespero, insegurança, tristeza, vazio e perplexidade. Esse conflito psíquico se estende por longos anos, pois é esperado que a pessoa desfigurada nutra o desejo de voltar a ter a sua antiga fisionomia.
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Aspectos psicológicos e sociais estão envolvidos nessa fase dolorosa cercada, por: dificuldades diárias enfrentadas na adaptação da nova imagem pela perda de identidade; a aceitação social e os preconceitos sofridos; o tratamento médico muitas vezes frustrantes; e a impossibilidade de praticar hábitos comuns como se alimentar e se comunicar. Resumindo, é uma angústia tamanha que demanda muita resiliência e paciência. Uma ruptura entre o passado e o presente fica evidente na vida do sujeito. No caso do personagem Édouard, veremos que ele utilizou seus dotes artísticos e criatividade para ressignificar sua dor emocional, respirar mais aliviadamente e resgatar um sentido em sua nova fase, pós-trauma.


Juntando as diferentes habilidades, os dois amigos pretendem desmascarar o Tenente Preadelle, que lidera um ardiloso esquema fraudulento de venda de caixões e promoção de sepultamentos de homens mortos na guerra. Deprimido, recluso e com o rosto sempre coberto por máscaras extravagantes que ele mesmo produz, Édouard é movido pela esperança de um dia desenterrar as mentiras e ressuscitar a si mesmo. Mas antes disso, terá que remexer nas feridas do passado e resolver as mágoas ocasionadas pelo relacionamento problemático com o seu pai Niels Arestrup, um rico e poderoso político com quem ele nunca se deu bem, motivo pelo qual foi lutar no front.
Como espectadores, nos tornamos cúmplices da tristeza de um filho que foi renegado pelo pai por ser um talentoso artista e não se preocupar com os negócios da família. Se antes tinha boca para expressar com palavras o que sentia, agora nem isso poderia mais, por consequência moldava máscaras surrealistas, conforme seu humor e sentimento, o que as deixavam com aspecto ora macabras, ora cômicas e também utilizava seu expressivo olhar para se comunicar, mesmo que fosse através das lágrimas. Nos Vemos No Paraíso é como uma alegoria da dor, das cicatrizes da guerra e uma homenagem à memória dos soldados.


Na luta pela sobrevivência e em pleno estado eufórico, os ex-soldados e amigos planejam uma fraude para um concurso do governo sobre um monumento aos mortos da guerra, no qual visavam conseguir dinheiro e deixar para trás a vida em Paris. Albert, Édouard e a pequena Louise se transformam em anti-heróis e passam a produzir desenhos e catálogos para concorrer ao prêmio. Levantando questões éticas e morais.
A Terra sempre passou por catástrofes e epidemias, e a guerra não passa de uma combinação de ambas.
Nos Vemos No Paraíso
A história da humanidade possui uma curiosa característica cíclica. Foi assim, quando o final da Primeira Guerra Mundial fez surgir os “Loucos anos 20”, pessoas que deram adeus aos horrores bélicos e receberam com estranho entusiasmo uma nova década, marcada por grandes alterações comportamentais. Essa fase é reproduzida no filme Nos Vemos no Paraíso sob a forma de espetáculo e poesia. Transbordando sentimentalismo, Albert Dupontel não deixa de entreter, encantar e emocionar os espectadores dessa trama.
Toda história precisa de um final, é a lei da vida. Pode ser trágico, insuportável, ridículo, mas sempre há um.
Nos Vemos No Paraíso
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