Paixão e Vingança até a Morte em O Morro dos Ventos Uivantes

Emily Brontë cresceu num lar severo e no interior da Inglaterra, ela não gostava de viajar e quando saiu de casa, ficou doente. Nunca se casou e morreu de tuberculose aos 30 anos de idade em 1848, poucos meses depois da publicação de O Morro dos Ventos Uivantes, seu único romance que foi assinado sob o pseudônimo masculino Ellis Bell, em 1847. Uma das obras mais chocantes da literatura inglesa, narra a história de um triângulo amoroso entre Catherine, Heathcliff e Edgar, o que provocou uma série de protestos, um crítico chegou a afirmar que o livro deveria ser queimado. E a polêmica ganhou mais força quando a segunda edição foi publicada em 1850, tendo a identidade da autora revelada.

Por ser filha de um pastor, do oeste de Yorkshire. Como tal escritora poderia criar um personagem tão malévolo como Heathcliff? Um anti-herói impulsionado por paixão carnal e vinganças. E ao invés da respeitável heroína da época vitoriana, Emily Brontë descreveu uma mulher casada, que perambulava pela charneca de camisola, suplicando pelo seu amante. Naquela época, os leitores ficaram escandalizados e o romance gótico até hoje rende muitas controversas, têm quem elogie e quem critique.

Não sei do que nossas almas são feitas, mas a dele e a minha são iguais.

Catherine

Análise e Resumo do Livro de Emily Brontë

Como sabemos, a vingança é um prato que se serve frio, assim começa a trágica história de O Morro dos Ventos Uivantes, com o retorno de Heathcliff, após tempo suficiente arquitetando friamente sua vingança contra os Linton e a família Earnshaw, a qual pertencia. Mas de onde vem tanto ódio?

No passado, em 1801, o proprietário de Wuthering Heights, o sr. Earnshaw adotou Heathcliff, uma criança cigana que estava pedindo esmola numa rua de Liverpool, porém o menino sofreu muito preconceito desde o início. A novidade não agradou nada o filho Hindley que ficou muito ressentido, por outro lado, a nova presença na casa atraiu Catherine, que desenvolveu uma espécie de paixão identitária por Heathcliff, despertando mais ira no irmão Hindley. Após a morte do pai, Hindley herdou Wuthering Heights e praticamente pôs pra fora o irmão adotivo, obrigando-o a trabalhar nos campos da família como um serviçal. E embora estivesse sofrendo humilhação, Heathcliff permaneceu na casa para continuar ao lado de Cathy, que é a única capaz de domar a brutalidade e o temperamento do protagonista.

(…) não vou me vingar da sua estupidez. A partir de agora, sou capaz de suportar qualquer sofrimento! Se o ser mais malvado da Terra me der um tapa na face, não só vou oferecer a outra como vou pedir perdão por ter provocado isso.

Catherine

Durante essa fase conturbada, mesmo Catherine sendo apaixonada por Heathcliff, ela acaba se casando com o nobre Edgar Linton, que mora com a irmã Isabella, na vizinha Thrushcross Grange. Impressionada com a riqueza de Edgar, ela confessa à governanta Nelly Dean que seria degradante se casar com Heathcliff, por conta da origem humilde do mesmo. Muito entristecido e revoltado após escutar tal revelação, Heathcliff desaparece daquelas terras por três anos, contudo volta rico, se torna dono de Wuthering Heights (depois da morte de Hindley), e se casa com Isabella cunhada de Cathy, somente para se vingar da antiga paixão. Não suficiente, faz parte do seu plano sádico tratar mal Isabella, para atingir Edgar. Heathcliff escolheu se vingar para amenizar a dor dos traumas passados. Ele também acaba optando por ficar com a guarda do sobrinho Hareton (filho de Hindley), com intuito de torná-lo uma extensão de sua própria imagem, criando-o como um selvagem, ignorante, destinado a ser o empregado da casa.

Catherine cresceu sob o impulso de uma natureza brutal, está sempre insatisfeita. Era petulante, egoísta, dramática, quando contrariada simulava um ataque de nervos e quando enciumada dizia que se mataria. Mas, quando sentiu o medo de ser realmente abandonada por Heathcliff, ela começou a delirar, sentir falta da sombria Wuthering Heights e de fato ficou muito doente. Prestes a morrer, a valentia desapareceu, o medo e o choro compulsivo se tornaram recorrente. A angústia, o trauma e a sensação de vazio criou um abismo na vida de Cathy que foi se despedindo aos poucos, sentindo o veneno gerado pela vingança do seu amado.

Naquele desolado cume, a terra era dura, coberta por uma geada preta, e o ar me fez tremer o corpo inteiro.

O céu e as montanhas se fundiam num gélido redemoinho sufocante de ventos e neve.

Desprezada por Heathcliff, Cathy já muito adoentada durante a gravidez, dá à luz a uma menina que recebe o seu nome, entretanto morre no parto. Heathcliff, inconformado com sua partida, chega ao desespero de desenterrar o corpo da amada para abraçá-la uma última vez e reza dias seguidos. Incapaz de perdoá-la, rancoroso, ele deseja que o espírito de Catherine não descanse e que nunca lhe dê paz, leve-o a loucura, mas jamais o abandone até o dia em que possam se reencontrar.

Afinal, o que é que eu não associo a ela? 

Em cada nuvem, em cada árvore… preenchendo o ar à noite e captado de relance em cada objeto durante o dia… estou rodeado pela sua imagem! 

O mundo inteiro é uma terrível coleção de memórias dizendo-lhe que ela de fato existiu e que eu a perdi! 

Heathcliff

Sem conseguir acertar as contas com o passado, o seu ódio foi direcionado aos mais novos da família, a sobrinha Cathy e Linton, seu próprio filho. Ao perceber que os dois estão apaixonados, Heathcliff resolve usar Linton para manipular Cathy, que além de possuir o mesmo nome da mãe, sua aparência também a lembra muito. Logo Linton seduz a prima, com a intenção de se casar e herdar o patrimônio da moça, porém como tinha saúde muito frágil, o jovem morre, deixando um testamento, e nenhum de seus bens ficam para recém-viúva, Cathy, e sim todos para Heathcliff.

Agora na tenebrosa Wuthering Heights, Heathcliff mora com os sobrinhos Cathy e Hareton (filho de Hindley). Dormindo no antigo quarto, a falecida Catherine assombra Heathcliff conforme seu pedido, enlouquecendo-o. Perturbado pela memórias do passado, Heathcliff caminha pelas charnecas gritando o nome de Catherine, que ecoa repetido pelo vento. À esta altura, ele estava presente somente em corpo, a mente estava distante nos pensamentos, não comia, não dormia, apenas queria encontrar com Cathy e os dois voltarem a passear pelas charnecas, na forma de duas figuras fantasmagóricas. Somente na morte, ele encontraria sossego, mas não houve nenhum o arrependimento, e nem os tormentos, dissiparam o seu rancor. Durante uma noite tempestuosa, Heathcliff morre definhado, consumido pelo rancor e sede de vingança. Após isso, Hareton e Cathy herdam Wuthering Heights e Thrushcross Grange e decidem se casar.

(…) ela apresenta-se a mim como um demônio! E desde então, às vezes mais, às vezes menos, tenho sido um joguete dessa tortura insuportável! Infernal!

Heathcliff

O Morro dos Ventos Uivantes é um romance gótico, ousado e puramente sombrio, que reflete de forma precisa a solidão da monotonia e da natureza gélida dos campos de Haworth, em Yorkshire, por onde Emily Brontë viveu. Terrivelmente solitário era o personagem Heathcliff que, desde cedo conheceu o desamparo e quando apaixonado sofreu uma amarga decepção. Sua criadora, Emily Brontë foi julgada por fugir de romances melosos, e se aprofundar pelas camadas complexas da mente humana ao escrever uma trama de paixão obsessiva, violenta e obscura, capaz de sobreviver até mesmo à morte.

(…) eles podem me enterrar a três metros de profundidade e derrubar a igreja em cima de mim, mas não vou descansar enquanto você não fica comigo. Jamais!

Catherine

Até então, a Inglaterra nunca havia se deparado na literatura com um personagem tão sombrio, guiado pela raiva, ciúme e vingança como Heathcliff, capaz de destruir tudo pelo caminho, inclusive a si próprio. Catherine, por sua vez, é outro personagem que foge dos padrões da época, dividida entre o amor e a ambição, é o avesso do modelo romântico vitoriano. Ela é uma jovem mimada, arrogante e livre, que tira o sossego de todos que se atrevem a amá-la. Em O Morro dos Ventos Uivantes existem personagens realistas, cheios de defeitos, que nos provocam, incomodam, e é por essa razão que até hoje o romance instiga e causa curiosidade aos novos leitores.