A maior herança de todas. Exatamente no dia 18 de abril de 2013, Kika estava destinada a ser minha. Sua dona, no caso, minha avó, havia falecido. Rebebi a pior e inesperada notícia. Ainda viva, minha avó me dizia “Quando eu morrer, quem vai cuidar da minha amiguinha?”. Eu sabia que seria eu, eu e minha mãe, e assim foi… anos de amor, de carinho, afeto recíproco.
Sem nenhuma herança financeira, a que me foi recebida veio na forma de uma cadela. Com seus olhos tristes e carentes, Kika como um cão fiel, resistiu em sair do lar que morava, resistiu talvez para não abandonar a esperança de um reencontro com minha avó. Mas quando foi recebida, deste o primeiro momento até seu último suspiro, sempre permaneceu agradecida.
Intensa a sua vinda, intensa a sua saída. Ela não queria ir, eu também não queria que fosse, muito menos assim. Uma morte intensa de sofrimento, horas agonizando, chorando, ganindo. Horas sofridas, doía no corpo, na alma.
Depois de meses, sendo levada à força pela doença que se espalhava, Kika se foi e junto com ela todas lágrimas e lástimas de nós que acompanhamos seu adoecimento. Foi uma cadela tão viva, era só ver o abanar que seu rabo fazia sempre que nos olhava de tanta alegria, e hoje se escondia, tudo estava escondido numa cena traumatizante que nada tinha a ver com aquela cadela cheia de amor.
Amores acumulados, antes de minha avó, agora de nós, eu e minha mãe. Encontrávamos-nos cavando um buraco, que naquele momento de despedida habitava não só o corpo da Kika mas também um buraco que habitava em nossos corações e em todos os ambientes da casa, um imenso vazio. Numa terra que já havia sido preenchida de memórias tristes e alegres, nos despedimos de Kika, a terra e nossos sentimentos se misturavam. A vida é feita disso, tristezas e alegrias, a Kika é vida e nós vivemos a Kika.
MELKBERG 