A história da loucura, os loucos do século XIX e a evolução da psiquiatria - blog de psicologia Melkberg - cérebro - doenças mentais - Freud - história da loucura - hospital salpêtrière - lobotomia - loucos - loucura - psiquiatria - século - técnica - tratamento - trepanação

A história da loucura, os loucos do século XIX e a evolução da psiquiatria

Conforme o pensamento católico medieval, os transtornos mentais eram associados à religião e a única forma de tratamento utilizada era a tortura. Como uma possessão demoníaca, sessões de exorcismo eram praticadas para se livrar da loucura e até mesmo a técnica de trepanação, você sabe o que é isso?

Trepanação é uma perfuração no crânio, onde usava-se como instrumento uma pedra pontiaguda para curar vários tipos de doenças, incluindo, as doenças mentais e para fins religiosos, como o exorcismo. A trepanação permitiria que através dos buracos, os demônios (provocadores da loucura) fossem abandonados do corpo.

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Parte da obra Allegorie des Triumphes der Venus de Angelo Bronzino.

Pintores renascentistas mostravam através de suas telas a técnica da trepanação. Durante esse período, também acreditavam na pedra da loucura, segundo a crença, a pedra deveria ser retirada do cérebro o mais rápido possível antes que contaminasse todo o cérebro do louco. Sendo retratada por Hieronymus Bosch no quadro “A extração da pedra da loucura”. Lembrando que nessa época não havia sequer anestesia.

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“A extração da pedra da loucura” de Hieronymus Bosch. Reparem que o próprio médico retratado, que se põe a curar o louco, parece ser o mais louco com seu chapéu de funil.
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Um crânio com trepanação
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“Uma operação na cabeça” (1550) do pintor holandês Pieter Bruegel.

Asilos, hospícios e manicômios,  esses eram os nomes para designar as instituições que visavam abrir, recolher e dar algum tipo de assistência para os loucos. Porém, antes da loucura ser associada às doenças mentais, um fato curioso, é que a loucura começou na Idade Média.

A HISTÓRIA DA LOUCURA

OS LOUCOS DA IDADE MÉDIA E DO RENASCIMENTO

Na Idade Média, os loucos herdavam os mesmo espaços onde os leprosos eram exilados e abandonados até a sua morte, os heréticos, aqueles que eram contrários aos dogmas estabelecidos pela Igreja, a instituição que dominava todos os saberes e indivíduos, eram considerados os loucos por serem os excluídos do Reino de Deus e os bruxos também, lembrando que todos poderiam ser bruxos, em um período que até mesmo quem tivesse uma verruga que não saísse sangue ao furá-la, era considerado um ser das trevas. Sendo assim, o conhecimento arcaico associado à religião, tem grande potencial destrutivo ao segregar indivíduos.

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No Renascimento, as práticas de perseguição só pioraram, os loucos seriam os vagabundos e devassos. Existia um “projeto de limpeza” em que mandavam todos os que não participavam do mercado de trabalho para bem longe das cidades, os rejeitados então, eram levados embora numa embarcação.

No século XVII, a loucura foi tema de várias obras da literatura Renascentista, que ainda ganham muitos leitores, como: Hamlet e Rei Lear de William Shakespeare, o Elogio da Loucura de Erasmo de Rotterdam e Don Quixote de Cervantes.

A pior das loucuras é, sem dúvida, pretender ser sensato num mundo de doidos.

Erasmo de Rotterdam, O Elogio da Loucura, 1511

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A Nau dos Insensatos de Hieronymus Bosch

POLÍTICA DO CONFINAMENTO NA ERA CLÁSSICA

Em 1656 foi fundado o Hospital Geral/La Salpêtrière em Paris. Esse hospital era destinado aos pobres, para recolher, alojar e alimentar aqueles que se apresentavam por vontade própria ou encaminhados pela autoridade real ou judiciária. Nesse momento, vemos o hospital ligado ao poder real, como uma estrutura semi-jurídica, onde os loucos eram excluídos pelos magistrados, filantropos e mesmo por suas famílias e não tanto pelos médicos.

Em si mesma, a loucura é já uma rebelião. O juízo é a ordem, é a constituição, a justiça e as leis.

Machado de Assis

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O confinamento solitário era característico como tratamento aos loucos até meados do século XVIII no hospital La Salpêtrière, porém ao redor do mundo isso se estendeu por longos anos, configurando a exclusão social. Os loucos eram acorrentados, pois acreditavam que isso acabava com a agitação do corpo e a da mente, possibilitando a volta da razão.

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O Louco de Mauricio Takiguthi

Entre os loucos, estavam: enfermos, presidiários, alquimistas, homossexuais, prostitutas, deficientes, idosos e órfãos. Eles eram abandonados como uma forma de higienização social, e aqueles vistos como normais ajudavam a construir uma sociedade melhor, limpando e aprisionando os indesejados para não contaminar o restante da população.

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Hospital La Salpêtrière

Quando algum membro familiar representava um risco para a honra e bens da família, causando qualquer tipo de perturbação, este era imediatamente confinado, julgado como louco e infrator das normas da família, sendo culpalizado por seu comportamento, por suas escolhas e modo de ser. Muitos homossexuais, jovens, deficientes, idosos ou aqueles que cometiam adultério, principalmente se fosse a mulher, estariam à espera apenas do alívio da morte, pois, uma vez que entravam nesse tipo de confinamento, não saiam mais.

O internamento e todo o regime policial que o envolve servem para controlar uma certa ordem na estrutura familiar, que vale ao mesmo tempo como regra social e norma da razão. A família, com suas exigências, torna-se um dos critérios essenciais da razão; e é ela, sobretudo, que pede e obtém o internamento. 

Michel Foucault

Além das famílias incomodadas, o internamento foi muito utilizado na França durante o século XVIII para acalmar e impedir revoltas da sociedade que estava “delirando” com a crise econômica e desemprego, também havia a má intensão de usar o internamento para explorar pessoas e usá-las como mão-de-obra barata.

Durante a Revolução Francesa, ocorreu um dos episódios mais horríveis, o massacre de La Salpêtrière, na noite de 3 de setembro de 1792. Um bando de bêbados decidiu libertar as prostitutas que estavam internadas e as demais mulheres, que eram doentes mentais, alcoólatras e portadoras de deformações físicas, elas foram arrastadas para a rua e massacradas à vista do povo.

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Phillipe Pinel à esquerda no hospital La Salpêtrière

As loucas mais agitadas ficavam acorrentadas até morrer. Somente no início do século XIX que a situação começou a mudar no Hospital Geral/La Salpêtrière com o alienista (nome dado aos médicos que se empenhavam em conhecer as doenças mentais e acompanhar os pacientes) Philippe Pinel, ele determinou a remoção das correntes e buscou um equilíbrio entre a exclusão e a assistência terapêutica.

Phillipe Pinel separava os doentes por tipo de “desvio” ou “alienação mental” (paixões, delírios, manias e melancolias). Desse modo, as patologias mentais começaram a ser reconhecidas, nomeadas e estudadas. A loucura caiu numa rede de objetividade e significações da psiquiatria. Nesse momento, o louco não era apenas um corpo institucionalizado, ele também seria objeto de estudo para psiquiatria num momento de classificações da doença mental.

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O caminho ainda era longo e a reforma de Phillipe Pinel foi o começo de uma mudança que só viria a acontecer muitos anos mais tarde, por enquanto a loucura continuava silenciosa sob os cuidados da medicina que ainda estava em evolução.

A PSIQUIATRIA E OS TRATAMENTOS DO SÉCULO XIX A XX

No século XIX a loucura passou para o domínio da ciência e isso não quer dizer que o tratamento ficou mais humanizado, e sim se tornou cenário de muitas experiências aterrorizantes. Seguindo a lógica de Thomas Wills, fundador da neurologia, o que separa os homens dos animais é a razão, por isso os loucos seriam considerados animais e precisariam de bofetadas, ameaças, algemas e muito disciplina, mais do que o próprio tratamento.

A politica de institucionalização ainda se caracterizava como repressiva e punitiva, os castigos só paravam quando o louco era capaz de se autopunir na consciência, aplicando a noção de culpabilidade. O medo por esses castigos funcionava como mecanismo de controle internos, se configurando como a cultura do asilo e do medo.

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Hospital La Salpêtrière em Paris

A psiquiatria do século XIX era aquela com cenário de manicômios, asilos ou hospícios, espaços de verdadeiro terror, pois era desse modo que os tratamentos eram realizados, como uma forma de disciplinar corpos, algumas das seguintes atrocidades eram comuns: acorrentar os internados em salas escuras, o uso das prisões acolchoadas, convulsão provocada por injeção de metrazol, esterilização, extração de dentes, hibernação, indução ao vômito, coma provocado por insulina, violência física e psicológica, privação alimentar como castigo, o uso de camisas de força e até mesmo assassinatos, onde os próprios funcionários dos hospitais matavam os internados.

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Os loucos eram infantilizados e responsáveis por sua própria saúde mental debilitante, interiorizando assim a culpa e sendo forçados a viver de castigos e excluídos. Como um peso para a família, eles eram abandonados e destinados ao esquecimento.

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Equipe de Enfermagem em frente ao Asilo Lunático de Seacliff, Escócia, 1890.

Durante essa fase da psiquiatria, estava havendo uma abertura crescente de hospitais psiquiátricos e também a superlotação dos mesmos, o que piorou ainda mais a condição dos internados, trazendo mais mortes, torturas, falta de higiene e desnutrição.

BERÇO DE UTICA

Era um berço de madeira ou de metal, utilizado no asilo da cidade de Utica no estado de Nova York. O objetivo desse berço era evitar interações entre dois ou mais pacientes agressivos. Os pacientes eram forçados a viver nos berços por longos períodos, causando sérios problemas e mortes por acidentes vasculares cerebrais e ataques cardíacos.

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Asilo de Utica

AFOGAMENTO

O internado era colocado dentro de um caixão com furos e só sairia depois de ficar submerso na água e as bolhas de ar parasse de subir, depois era retirado e reanimado. De acordo com esse tratamento, as funções vitais eram suspensas e possibilitava que o louco voltasse à vida com formas mais adequadas e ajustadas de pensar.

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CIRURGIAS GINECOLÓGICAS

Acreditavam que o clitóris e o útero teriam grande influência na mente feminina, por isso amputavam, pois diziam que a loucura era provocada na mulher devido à agitação desses órgãos.

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HIDROTERAPIA

O internado era enrolado numa rede e mantido dentro de uma banheira encoberta por uma lona com um buraco apenas para a cabeça. Na banheira, ele deveria permanecer por horas e até dias numa água muito gelada e fervente, colocadas alternadamente. Para os psiquiatras, o banho prolongado induzia à fadiga psicológica e estimulava a produção de secreções da pele e dos rins, o que podia reestruturar as funções do cérebro.

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CADEIRA GIRATÓRIA

Benjamim Rush, o pai da psiquiatria americana, inventou a cadeira giratória para problemas mentais, considerada a técnica mais “humanizada” do século XIX, essa era complementada com outras técnicas como chuveiradas geladas, laxantes, terapia de coma insulínico e lobotomia frontal. Essa cadeira era modificada com um sistema de molas e alavanca, que eram acionados para girar os pacientes até que eles desmaiassem. Eles tinham a crença que ao rodar o paciente até o desmaio iria curar a esquizofrenia e outras doenças mentais, “embaralhando” o conteúdo do cérebro.

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O terror atua poderosamente sobre o corpo através da comunicação da mente, e deve ser empregue na cura da loucura.

Benjamim Rush

LOBOTOMIA

A trepanação deu origem à lobotomia, que era um procedimento cirúrgico, onde cortavam as conexões entre os lobos frontais e o restante do cérebro, com a intenção de eliminar doenças mentais ou modificar comportamentos inadequados, porém a maioria das pessoas morriam ou ficavam em estado vegetativo. A técnica foi desenvolvida pelo neurologista português Dr. António Egas Moniz e o cirurgião Dr. Almeida Lima, como causava sequelas irreversíveis, a lobotomia entrou em desuso após a descoberta dos primeiros medicamentos antipsicóticos.

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Lobotomia com instrumento semelhante à um picador de gelo

Inicialmente, a lobotomia era realizada com o auxílio de um instrumento parecido com um picador de gelo, o médico realizava uma perfuração na altura do olho e assim que a ponta do instrumento chegasse ao cérebro, o médico retirava um pedaço de tecido cerebral, geralmente o procedimento era feito sem anestesia. Essa técnica foi muito utilizada nos EUA e Japão e Dr. Moniz que aprimorou a lobotomia ganhou o prêmio Nobel.

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O neurologista português Dr. António Egas Moniz e sua técnica de lobotomia 

Qualquer pessoa estava sujeita à sofrer uma lobotomia, nem as crianças estavam livres. Isso acontecia porque não era necessária a autorização do paciente, e a maioria eram mulheres. Depois da Segunda Guerra Mundial, muitos soldados com depressão e estresse pós-traumático também caíram nas mãos dos picadores de gelo.

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As pessoas não eram mais elas, ficavam num estado abobalhado até a sua morte.
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Considerada a mulher mais irritada do mundo, depois de sofrer a lobotomia. Ela passou a ser uma pessoa apática, pelo resultado do desligamento na parte das emoções e tinha problemas com a coordenação motora.

CURIOSIDADE

Eva Perón para se curar da crescente ansiedade, agressividade e dores que sentia pelo câncer de útero, fez lobotomia, as radiografias do seu crânio mostram perfurações compatíveis a trepanação, ela morreu logo depois.

Rosemary Kennedy era uma vergonha para o patriarca de sua família, Joe Kennedy. Ele que não aceitava sua filha com dislexia, atraso mental e com suas fugidas de casa, em que aparecia cada dia com um namorado diferente, ela foi submetida à lobotomia com 23 anos, sua cirugia foi realizada de forma tão cruel que uma das enfermeiras abandonou o trabalho no dia seguinte, desde então, Rosemary Kennedy passou a ter a idade mental de uma criança de três anos.

TERAPIA DE ELETROCHOQUE

A terapia de eletrochoque ou eletroconvulsoterapia (ECT) foi muito utilizada para tratar a esquizofrenia, mas como já vimos, os tratamento eram muito usados como forma de castigo e controle, então aplicavam essa técnica para conter os internados e apagar suas memórias. A técnica consistia na corrente elétrica que deveria ter uma quantidade baixa e controlada, porém usavam altas cargas de eletricidade e o paciente acabava sofrendo muitas sequelas e morrendo. A corrente elétrica afetava as funções primárias e secundárias e algumas vezes a química total do cérebro. Essa técnica ainda é usada hoje, porém com uma corrente elétrica mínima e com o uso da anestesia.

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TERAPIA POR CHOQUE INSULÍNICO

Terapia por choque insulínico, terapia coma insulínico ou cura Sakel era o tratamento utilizado nos anos 30 para diferentes tipos de psicoses, como esquizofrenia. A “Técnica de Sakel” consistia em injeções de doses crescentes de insulina por um período de 6 semanas até a indução do coma. Uma vez induzido, dava-se glicose para reversão. Essa descoberta na psiquiatria foi feita pelo neurologista e neuropsiquiatra austríaco chamado Manfred J. Sakel. Segundo ele, mais de 70 % de seus pacientes melhoraram após a terapia por choque insulínico. O entusiasmo inicial foi seguido pela diminuição no uso da terapia por coma insulínico, depois que estudos constataram que a cura real não era alcançada e que as melhoras eram na maioria das vezes temporárias. Além do mais, os pacientes morriam devido a complicações como: encefalopatia hipoglicêmica, insuficiência cardíaca, pneumonia por aspiração e hemorragia cerebral. As “unidades de insulina” eram comuns em hospitais na década de 50. A prática foi extinta em 1960 com a introdução de drogas antipsicóticas efetivas.

DOROTHEA DIX

Enquanto os experimentos da psiquiatria no século XIX se estendiam até o século XX e se espalhavam pelo mundo, nos EUA, existiu uma mulher ativista chamada Dorothea Dix, que lutou por direitos humanos e pressionou as autoridades para livrar os doentes mentais de tantas atrocidades. Dorothea Dix conseguiu aliados importantes e no ano de 1841, ela começou a viajar por Massachusetts, examinando as condições em que as pessoas com doenças mentais tinham que viver, encontrando gaiolas, armários, além de outros espaços minúsculos, onde os loucos eram acorrentados nus, espancados com varas e amarrados para a “disciplina”. Em 1843, graças à luta dessa mulher, o estado aprovou uma Lei que aumentava o financiamento para as clínicas.

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O retrato de Dorothea Dix

A PSICANÁLISE E PSICOFARMACOLOGIA 

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Finalizando a História da Loucura, os tratamentos da psiquiatria mais pavorosos foram estendidos até o começo do século XX. Na segunda metade do século XIX no Hospital La Salpêtrière, Jean-Martin Charcot assumiu a direção do hospital e tornou o espaço em um centro de estudos psiquiátricos mundialmente famoso, que recebia estudantes de todo o mundo para assistir seus experimentos e aulas sobre as doenças mentais, entre seus estudantes, estava Sigmund Freud, se formando em medicina. Já especializado em neurologia, Freud conheceu a terapia de hipnose praticada por Dr. Charcot em pacientes histéricas.

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Dr. Charcot dando aula

No século XX, duas escolas da psiquiatria dominavam: a organicista (com base na anatomia e na fisiologia) e a psicanalítica (de orientação psicológica). Tempos em que histeria afetava grande parte das mulheres, começou uma indagação sobre sua origem, se era orgânica ou psíquica. Os sintomas da histeria (paralisias, contrações musculares, nevralgias, distúrbios de visão e audição, tremores, inibições comportamentais e confusão mental) apareciam e desapareciam aleatoriamente e representavam um desafio para a medicina, pois não era achada nenhuma lesão anatômica que justificasse os sintomas.

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Freud e Breuer

Incentivado por Breuer, o inventor do método catártico, Freud começou a estudar a histeria e junto com ele, a obra fundadora da psicanálise Estudos sobre a histeria foi criada, depois de solucionado o caso de Anna O. Eles consideravam o método catártico uma psicoterapia que permitia ao doente evocar a lembrança dos acontecimentos traumáticos, recordando o passado, e desse modo desapareciam os sintomas histéricos.

No início, Freud recorria à hipnose para ajudar o paciente a lembrar do passado, mas logo abandonou esse método, pois percebeu que era mais fácil pedir ao paciente para falar livremente tudo o que vinha à mente, método chamado de associação livre, que seria a cura pela fala. A cura consistia na reconstrução do trauma originário com a diminuição da censura e com o acesso ao inconsciente. Freud deu voz ao discurso dos chamados loucos e aproximou o diálogo entre os loucos e os sãos.

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Em 1950 com a introdução dos psicofármacos como a clorpromazina que acalmava o paciente psicótico, as cirurgias de lobotomia foram reduzidas. Em 1959, apareceu o antidepressivo e um ano depois o benzodiazepínico. A eficácia desses medicamentos transformou a psiquiatria, os tratamentos se tornaram mais baratos e seguros para os pacientes.

Com os antipsicóticos, os pacientes deixaram de passar 30 anos num manicômio para ficar só 30 dias. Ou seja, eram tratados e devolvidos à sociedade, que teve de aprender a lidar com eles de outras formas. 

Renato del Sant, psiquiatra e professor da USP

No ano de 1960 aconteceu uma mudança da psiquiatria curativa (com base apenas na cura) para a psiquiatria com perspetivas preventivas em saúde mental, mas esse assunto vai ficar para o próximo post, Luta Antimanicomial, Reforma Psiquiátrica e Saúde Mental no Brasil.

Se você leu até aqui, muito obrigada! Espero que tenha gostado. Escrever sobre a história da loucura foi trabalhoso e a temática bem pesada devido às tragédias causadas ao longo da evolução da psiquiatria, então se você apoia meu trabalho e gostou do resultado, não esquece de deixar o seu like e comentário *•*

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11 comentários em “A história da loucura, os loucos do século XIX e a evolução da psiquiatria”

  1. Oi Cintia! Muito obrigada por compartilhar seu estudo e pesquisa sobre a “loucura”. Procurando outro conteúdo (de artes) por acaso apareceu seu texto. Comecei a ler e não consegui parar… Muito bom! Muito impressionante! Nesse momento sinto dificuldades de encontrar as palavras para expressar o impacto e todas as reflexões e lembranças que me veem a memoria. Temos contato com uma pessoa em Belo Horizonte que viveu 23 anos internado em hospitais psiquiátricos. Ele é esposo de uma pessoa muito querida que foi minha babá, e depois permaneceu nos ajudando em casa por muitos anos. Após o nascimento do 1º filho deles ele começou a apresentar comportamentos estranhos, ficou paranoico e depois violento. Foi diagnosticado esquizofrênico. Minha mãe ajudava muito a família dele, inclusive o 1º filho do casal é afilhado dela. Esse sr passou anos sofrendo com tratamentos variados, dentre eles muitos anos em tratamento de choque. Lembro de ficar impressionada as poucas vezes que o vimos. Mas sempre tíamos noticias dos tratamentos, dos efeitos, das condições em que ela o encontrava. Ele ainda é vivo, deve ter por volta de 70 anos. Quando acabaram com o manicômios a Prefeitura aqui criou algumas casas para receber pessoas que estavam ha muitos anos “presos” e que não tinham condições de voltar ao convívio social. que foi o caso dele. A nossa babá passou a vida esperando que ele se curasse, que ele melhorasse e voltasse pra casa para ajudá-la a criar os dois filhos. Durante toda a vida, religiosamente ela visitou todo sábado o marido. E levava os meninos para verem o pai… O mais velho, cresceu e foi diagnosticado esquizofrênico também. E ela sofreu mais um longo período de violência domestica, até que ele aceitasse se tratar (hoje com medicamentos apenas). No caso que relatei, mesmo hoje com todos os avanços e medicamentos, o paciente não conseguiu voltar pra casa e para o convívio social. O sr ainda é violento. Enfim… Situação muito difícil e delicada…

    Curtido por 1 pessoa

    1. Olá, Priscilla!

      Muito obrigada por compartilhar a história de um sobrevivente desse passado sombrio da psiquiatria. Com certeza esse senhor carrega muitas marcas na memória que dificultam demasiadamente o processo para se reinserir na sociedade até os dias de hoje. É muito triste acompanhar como a saúde mental debilitada pode desestabilizar uma família, ainda mais vítima do precário sistema público de saúde brasileiro. Que bom que essa família teve o apoio de vocês. Fiquei muito agradecida e satisfeita ao receber seu feedback. Abraços!

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